segunda-feira, 7 de julho de 2008
O domingo de Kenji Ueta
O tempo é quente, mas o vento, mesmo leve, tem força para mexer com os galhos mais finos. O sol é forte, se esparramando sobre as copas das árvores do Bosque dos Pioneiros ou Bosque 2, como é chamado por todo mundo. Agora, quase 9 da manhã ainda há pessoas caminhando em torno dele. Duas horas antes, o local estava tomando de gente de idades e pesos variados indo e vindo, caminhando e correndo. No final do dia, eles voltam.
Se agora tivesse uma trilha sonora de Paul Mauriat, que morreu em novembro do ano passado aos 81 anos, e se fosse possível dar um “mute” no ronco dos motores, a imagem à minha frente teria o poder de varrer as preocupações e criar o ilusório campo de paz e tranqüilidade.
Nesta sala, entre dezenas de fotos de Maringá em preto e branco nas paredes, uma me leva a fazer comparação com este cenário. A foto tirada pelo pioneiro Kenji Ueta, o primeiro fotógrafo da Cidade Canção, é da década de 50. Seu Kenji subiu em alguma construção na esquina da Duque de Caxias com a Brasil e conseguiu dar profundidade à fotografia, sendo possível ver a avenida principal até a praça Rocha Pombo.
Ruas sem asfalto, crianças brincando próximas ao canteiro central, homens na calçada, ou o que viria a ser calçada, os famosos Cadillac, dois jipes, uma charrete, bicicletas, casas baixas e uma enorme mata emoldurando a foto na parte superior. Tudo em harmonia. Novamente recorro a Paul Mauriat. Então, vou olhando mais detidamente. À esquerda da foto, muita gente na praça Raposo Tavares e instalados nela um circo e um parque de diversões.
Não perguntei ao seu Kenji, mas tenho certeza de que é uma tarde de domingo em Maringá. Reforço esta certeza ao ver as seis portas da Casa Paratodos fechadas. Então, substituo a orquestra do maestro francês e ponho no alto-falante da história da menina Maringá um ritmo mais apropriado para a ocasião: uma marchinha do Braguinha ou um sertanejo de raiz. Fico a imaginar o que os que virão vão dizer da gente ao olhar nossas fotografias e vídeos. E será que eles ainda terão o privilégio de ver o que vejo agora das minhas janelas?
(Publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 25 de novembro de 2007)
terça-feira, 3 de junho de 2008
O silêncio de Maringá
É na noite
Quando procuro o sono
Fecho os olhos
E tento ouvir
O silêncio de Maringá
Um silêncio que dura
A eternidade
De poucos segundos
Um motor ronca
Rompendo uma reta
Perdendo força
Nos meus ouvidos
Chega uma música
Em baixo volume
Sobe poderosa
E se perde na escuridão
Logo outros sons
Itinerantes de vozes
Passos e latidos
Vêem e seguem
Sem dar boa-noite
A noite passa veloz
O dia começa na madrugada
Acelerações e freios
Buzinas e máquinas
É a cidade de pé
Em movimento
Houve um tempo
Em que a cidade
Dormia mais cedo
Não vagava tanto
E acordava no horário
Tempo da poeira
Dos lampiões
Das casas de madeira
E portões de balaústres
A noite era de poucos
Só dos profissionais
Hoje o dia ficou pequeno
A noite é a extensão
É na noite
Quando procuro o sono
Fecho os olhos
E tento ouvir
O silêncio de Maringá
Um precioso silêncio
Um frágil silêncio
Que dura menos
Que a pureza do instante
A noite
Já não é mais noite
É só o dia sem sol
Entrando no outro dia
segunda-feira, 26 de maio de 2008
Os bichos de estimação
quarta-feira, 21 de maio de 2008
Maringá como cenário
segunda-feira, 19 de maio de 2008
O maringaense nas ruas
2 - Motorista maringaense gosta de colocar rabicho no carro.
3 - Motorista e pedestre maringaenses gostam de quebrar garrafas de sidra no asfalto, principalmente no Ano Novo.
4 - Motorista, carona, motoqueiro e pedestre maringaenses gostam de sujar a praça da Catedral com papéis, latas e garrafas, principalmente nos finais de semana.
5 - Motorista maringaense gosta de fazer racha na Itororó e na Nóbrega, principalmente nas madrugadas de sábado.
6 - Motorista maringaense gosta de estacionar em fila dupla em frente aos colégios na entrada e saída dos alunos.
7 - Motorista e carona maringaenses gostam de jogar papeis, plásticos e bitucas pela janela.
8 - Ciclista maringaense não teme o perigo, pedalando tranqüilo na Brasil, Herval, Duque, São Paulo, Paraná...
9 - Motorista maringaense gosta de estacionar no espaço reservado aos ônibus.
10 - Motorista maringaense gosta de deixar o trânsito lento na Tiradentes nos finais de semana.Uma questão de exibicionismo. Quem não acredita que o automóvel seja o rabo do pavão do homem – ou da mulher – vá domingo à tarde na Tiradentes e comprove.
11 - Motorista maringaense gosta de som alto.
12 - Motorista e carona maringaenses não gostam de usar cinto nos finais de semana.
13 - Motorista maringaense gosta de estacionar o carro no meio de duas vagas.
14 - Pedestre maringaense não gosta de atravessar na faixa de segurança. Mas está aprendendo.
15 - Motoqueiro maringaense geralmente não respeita semáforo durante a noite
16 - Ciclista maringaense não sabe qual a função do semáforo.
17 - Motorista e motoqueiro maringaenses não gostam de esperar o semáforo de ciclo visual apagar totalmente o vermelho para seguir.
18 - Motorista maringaense gosta de pôr o carro na calçada nos finais de semana para lavá-lo com água tratada.
19 - Motorista maringaense gosta de sair de ré das “escamas de peixe” da Brasi.l
20 - Motorista maringaense não tem costume de buzinar.
Se você não está em nenhuma destas categorias, parabéns. Continue assim. Você é um exemplo para muita gente, principalmente para seus filhos. Se todos agissem como você, Maringá não teria chegado ao pré-caos no trânsito.
Cabrito na horta
Pedro Caveira era o tipo de fazer tremer
Nunca foi de levar desaforo para casa
Não havia homem que podia lhe conter
Na faca, na bala, no pau, na porrada
Pedro Caveira se valia da truculência
A cada dia mais uma área era dominada
Demarcava seu espaço sem pedir licença
Para Pedro Caveira era vencer ou morrer
Dos homens ganhava o temor, o respeito
Das mulheres conseguia tirar o prazer
Era na marra, na força, de qualquer jeito
Entre as tantas moçoilas submissas
Havia uma que ocupava seu coração
Era a bela , doce e estonteante melissa
Morena brejeira exalando amor e paixão
Por ela é que Pedro Caveira se derretia
Um caso conhecido em toda comunidade
Quando ela chegava seu sorriso se abria
Para ela, ele pedia só amor e fidelidade
Na vida acontecem coisas inesperadas
Por uma bronca sem grande repercussão
Caveira teve que tirar férias forçadas
Fora de circulação, um ano de prisão
Um dia antes de se entregar à justiça
Pediu ao bando a palavra em penhor
Chorou abraçado à querida Melissa
Que lhe fez juras de eterno amor
Chamou num canto o seu preferido
O humilde amigo Zequinha Terceiro
Lhe pediu em lágrimas, comovido
Que cuidasse de todo o seu terreiro
Zequinha levou à risca aquele pedido
Por sua conta incluiu a bela morena
Virou chefão do pedaço, cabra temido
E botou as guampas no Pedro Caveira
Passou o tempo, cumprida a sentença
Caveira quis retornar ao antigo ninho
Mas ninguém mais quis a sua presença
E até Melissa lhe negou os carinhos
Humilhado, pobre, com medo de morrer
Pedro Caveira abandonou aquela cidade
Com ódio de Zequinha de endoidecer
Hoje perambula na estrada da infelicidade
O mundo sempre foi e será dos espertos
Zequinha agora é senhor, do alto escalão
O pai e o avô na vida não deram certo
Mas ele é o terceiro, o chefe, um campeão
E finalizando essa incrível história
Pra você não ser tomado de revolta
E pra que a tua vida não seja inglória
Não deixe o cabrito tomar conta da horta
sexta-feira, 16 de maio de 2008
Tudo que se fala, tudo que está escrito
O outdoor me faz um convite
O homem com dedo em riste
Meu diz para comprar, fazer um curso
E quando mudo o percurso
Surge outra propaganda
Então entro nessa ciranda
Para provar que estou vivo
Acabo de fechar um livro
De histórias de vencedores
De quem passou pelas dores
Saí agora da sala do cinema
O herói armou um estratagema
E exterminou a bandidagem
Mais uma sangrenta mensagem
Vingador, mas com alma de coroinha
E no final ainda beijou a mocinha
A notícia interpretada na TV
Para daqui a pouco se esquecer
O fato contado no jornal
Para o bem ou para o mal
Não interessa qual a direção
Vai depender da situação
O homem rasga o verbo na tribuna
E consegue a aceitação na urna
Os belos gestos e as palavras polidas
Deixando as maldades escondidas
Em todo canto verdades absolutas
As pernas da mentira não são curtas
Por isso, já não acredito
Em tudo o que está escrito
Em tudo o que se fala
quarta-feira, 30 de abril de 2008
Inseguros caminhos desta vida
sábado, 19 de abril de 2008
Quando a poesia é necessária
sexta-feira, 18 de abril de 2008
Horas velozes
Tenho que levantar os olhos para ver as belas palmeiras da avenida Paraná, estes prédios cobrindo o sol e olhar ainda mais para cima para enxergar esta cruz que parece colada ao céu.
Tenho que andar na faixa de segurança, mas não confiar que os motoristas vão tirar o pé. Tenho que tomar cuidado com os carros que saem das avenidas Herval, Duque de Caxias e São Paulo e viram à direita na Brasil.
Tenho que enxugar este suor, parar na calçada e observar esse povo que caminha para todos os lados. Pessoas em geral, gente genuína. Minha matéria prima. No volante, tenho que esperar o último gomo vermelho desaparecer para prosseguir, mas tenho que prestar atenção no pedestre que acha que a faixa é só dele mesmo o semáforo estando aberto para os veículos. Tenho que ter paciência no cruzamento da São Paulo com a Horácio Raccanello e cair fora da Colombo no início da noite.
Não posso perder tempo. Tenho que falar ao telefone, perder peso, engraxar os sapatos, lembrar de datas importantes, cumprimentar quem eu conheço e, por educação, fazer um sinal com a cabeça para quem eu nunca vi mais gordo ou magro. Tenho que comer frutas e folhas, beber água e fazer exercícios. Tenho que caminhar no Parque do Ingá, Bosque 2 e em qualquer lugar que tenha uma pista onde não corro o risco de ser atropelado.
Tenho que ouvir músicas, ler jornal, ver TV, acessar internet, abrir e responder e-mails, ir ao cinema e à locadora de filmes, visitar e receber visitas, passear para não muito longe, não ficar até muito tarde para não cansar e não ficar cansado. Tenho que dormir bem, sonhar muito e cumprir pelo menos dez por cento destes sonhos.
Tenho que amar bem mais, rezar bem mais, enraivecer bem menos, terminar de ler dois livros, escrever tanta coisa, esquecer outras tantas, manter a calma, pedir perdões, conversar mais com quem está de escanteio e desfocar quem dá aulas particulares para Deus. Tenho que ver os amigos pelo menos duas vezes por semana, beber cerveja gelada, comer queijo com azeite e orégano, rir até do que é sem graça e apreciar o céu alaranjado no fim de tarde que, de onde o avisto, parece que vai descer no Fim da Picada. Os carros passam voando na avenida Itororó em direção à zona sul. As horas voam, a noite é fugaz e a manhã chega fazendo cobranças. Não posso perder tempo.
Publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 13/04/08
sexta-feira, 4 de abril de 2008
Embalos natalinos
Acordou cedo no dia 24. Afinal, véspera de Natal é um dia cheio. Foi com a família ao supermercado. Um trânsito horrível de carrinhos por entre as gôndolas. Parece que todo mundo saiu às compras no mesmo dia e horário.
Cerveja, refrigerante, carne e doce. Bela carga e alta conta. Almoçou dando uma segurada na bebida. Tomou só três latinhas para estar inteiro na ceia. Presentes para a mulher, filhos, empregada, pai, mãe, sobrinhos e afilhados.
Folhas de cheques voando. Canhoto carregado. Na primeira semana de janeiro a gente começa a pensar no assunto, pensa. Hoje é dia de comemorar. Aliás, mais umas latinhas não vão me tirar do eixo, analisa. Escurece e o nosso personagem toma um banho pra relaxar. Ou para adquirir um pouco mais de sobriedade.
Desde o meio-dia ele vem comemorando e é preciso estar em boas condições para suportar uma longa noite em que bebidas dos mais diferentes teores alcoólicos e comidas variadas vão estar à disposição. Nosso amigo já passou a fase de aquecimento. Entra de sola na festa. Definitivamente incorporou o espírito natalino. Distribui beijos, abraços e votos de Feliz Natal com um desprendimento que quem o conhece sabe que isto é coisa do álcool.
Frango, leitoa e carneiro. Maionese, salpicão e mandioca. E as latinhas vazias sendo rapidamente substituídas pelas cheias. Está alegre e preocupado em não ficar de fogo. Não percebeu que já ficou. O estridente Xororó invade o ambiente com aquele CD apelativo de fim de ano. Canta junto e se emociona com o Hei irmão, vamos seguir com fé... E segue com fé para mais um gole.
Passa da meia-noite. Quatro botões da camisa estão fora de suas respectivas casas. Desapertou dois furos da cinta e o comparecimento no banheiro é a cada quinze minutos. A leitoa mutilada, com o focinho pra cima e a arcada dentária à mostra, lhe embrulha o estômago. Dá a mão para um monte de gente, ouve piadinhas sobre seu estado, mas não tem ânimo para retrucá-las.
Acorda às 10 e tenta traçar o roteiro da noite anterior. Vai certinho até a leitoa de dentes de fora. A lembrança faz a barriga virar um vulcão. Dedo na goela, meia-hora sentado naquele objeto ovalado suando por todos os lados. Ácido efervescente, comprimido para dor de cabeça e um banho gelado.
Nosso herói está quase pronto para mais um dia de festas. Sente que já pode iniciar a maratona correspondente ao dia de Natal propriamente dito. Jura pra si que vai se segurar. O juramento é quebrado no meio da frase. Caramba, é Natal. Eu estou bem, a família está bem, estou ao lado das pessoas que amo, então, é importante que haja este escapismo controlado para se contrapor ao mundo autofágico em que a inversão de valores corrompe a alma e destrói o espírito.
Momentos assim são um oásis, uma dádiva, um sinal para sabermos e entendermos que ainda há esperança para a humanidade. A filosofada lhe deu um efeito bastante positivo. Sentiu-se superior e agradecido. Superior por ter tido a clarividência de sacar aquilo e a inteligência para transformar em palavras. E agradeceu a Deus pela oportunidade de ter uma família e amigos. Acordou às 4 da manhã com a garganta feito um Saara disposto a beber o Atlântico. Quis mentalmente repetir a frase, mas não conseguiu.
(Livro Da minha janela, publicado em 2003)
Pintura: Moscovo I - 1916 - Kandinsky
terça-feira, 25 de março de 2008
Campeonatos da vida
- Tem fogo?
- Tenho.
- Obrigado. Quer fumar?
- Não, fumei agora.
- Que fila, não?
- Já entraram uns trinta.
- E são só cinco vagas.
- Eu tô aqui de bobeira. Não tenho experiência.
- Trabalhei só uns três meses nisso, mas não tem mistério.
- Então você tem mais chances do que eu.
- Sei não. Depois dos 40 o pessoal tem má vontade.
- Que 40 nada. Com 35 já te olham meio atravessado.
- Faz tempo que você tá parado?
- Você diz: sem registro?
- É.
- Uns três anos.
- Eu já faz quatro. Só bico.
- Igual eu. Já vendi cartela de bingo, confecções, fita K-7. Até pão feito em casa eu já entreguei de bicicleta. Agora tô ajudando um amigo a construir uma casa. Não manjo nada. Fico o dia inteiro empurrando carriola e carregando balde de massa.
- Eu tô recolhendo jogo de bicho. O duro é que nunca fui bom de moto. Já passei cada sufoco. A gente tem horário. Sabe como é, né?
- Me avisa quando você for sair deste trampo.
- Tá a fim de encarar?
- Não, é pra um sobrinho meu. O cara é bom de moto e fica o dia inteiro coçando lá em casa.
- Tá, mas do jeito que a coisa anda, acho que não vou sair tão cedo.
- O que você fazia? Qual era a tua profissão de verdade?
- Jogador de futebol.
- Cê tá brincando?
- Não, é sério.
- Jogou onde?
- Interior de São Paulo.
- Em que time?
- Num monte. No Bragantino, Marília, Garça, Linense, Jaboticabal, Paraguaçuense...
- Você jogou no Bragantino?
- Mas saí um pouco antes do Luxemburgo chegar. Lembra daquele time que foi campeão paulista em 90? Tinha o Mauro Silva, Alberto, Mazinho, Gil Baiano, o Tiba...
- Lógico que lembro. Ganhou do Novorizontino na final. Gol do Tiba.
- Pois é. Joguei com aquele pessoal todo.
- Sério?
- Só que fui dispensado um pouco antes. Mas me considero um campeão paulista.
- Como é que é teu nome?
- No futebol a turma me chamava de Índio.
- Não vai me dizer que você é o Índio que jogou no Coritiba, que fez o gol do título brasileiro de 85, na final com o Bangu, no Maracanã?
- Não, aquele é o meu xará.
- O Londrina também tinha um...
- Não, nunca joguei lá.
- Já sei. Você é o zagueiro Índio que começou aqui, no Grêmio Maringá, e virou Ademir no Atlético Mineiro.
- Também não. Este é bem mais novo do que eu.
- Ah, me desculpe, mas não tô lembrado de você.
- Lembra a final do Paulistão de 85?
- Se lembro. O meu São Paulo detonou a Portuguesa. O Cilinho era o treinador. Tinha o Muller, o Silas, o Sidnei... Um timaço. Mas, o que é que tem a ver?
- Joguei a preliminar daquela decisão.
- Como é que eu vou me lembrar de preliminar de decisão?
- Cara, o Morumbi estava lotado. Fiz uma jogada pela lateral...
- Você jogava de lateral?
- Na direita.
- Então você é o Índio que começou no Santos, passou pelo Palmeiras, foi para o Goiás...
- Não, não. Este é outro. Deve estar jogando ainda. Mas como eu estava falando, avancei pela lateral passei por dois e cruzei na medida para o nosso centroavante fazer de cabeça. O Morumbi veio abaixo. Acho que fui um injustiçado. Cruzava melhor do que o Cafu.
- Grande vantagem cruzar melhor do que o Cafu.
- Acho que perdi pelo menos uns quinze anos da minha vida atrás da bola. Não tenho nem a 7ª Série.
- Não esquenta, não. Pelo menos você conheceu muita gente. Valeu como experiência de vida. Melhor do que eu. Fiquei afundado nesta cidade, conheço meio mundo aqui e não consigo um trampo de 300 paus.
- Você trouxe referências?
- Um monte. Mas acho que não vou conseguir emprego nem com o prefeito indicando.
- Tem que ter fé.
- Dê uma olhada para trás. Tem mais de cinqüenta na fila. Como é que você vai competir? Pode crer que tem cara formado aí atrás.
- Formado e que fala inglês.
- E morou nos Estados Unidos e na Europa.
- E não tem mais que 25 anos.
- Vou cair fora da fila.
- Agüenta aí.
- Quer um conselho: sai da fila também. É perda de tempo.
- Não, vou esperar. Vai que o cara lembra de mim.
- Esquece. O que tem de Índio jogando por aí e você é o Índio mais desconhecido de todos. Eu, que acompanho futebol, não me lembro de você. Imagine se eles vão saber quem você é. Além do mais, eles não estão precisando de gente pra cruzar bola.
- É, vamos embora. Tem uma loja de calçados que tá precisando de um vendedor e um faturista.
- Vendedor e o quê?
- Faturista.
- Vamos lá que eu vou pedir esta vaga de vendedor. Cê foi campeão alguma vez?
- Só de torneio início. Mas na 2ª Divisão Paulista nosso time chegou entre os quatro.
- É a vida, meu caro, é a vida.
segunda-feira, 17 de março de 2008
Ao Facci, com saudades
Em dezembro passado ele meu autografou seu último livro “Paraíso e outros contos”. E foi naquele mês, num sarau, que tive a honra de vê-lo declamar uma poesia que fiz em homenagem a Maringá chamada “Teus longos verões”. Procurei imagens daquele dia. Revi fotos e vídeo do poeta Antonio, feliz, falando da sua cidade numa reunião de amigos.
O Trópico de Capricórnio atravessando teu coração, terra vermelha arroxeada. As tuas matas tropicais com os teus longos verões. Vermelho-roxo coração, mata e calor dos trópicos, sol intenso e brilhante. Vejo Antonio declamando, trazendo a emoção que cada palavra exigia. Tenho tudo documentado. Mais: tenho tudo guardado no coração.
O boa-praça Antonio, que fazia dos encontros que promovia ou em que comparecia uma celebração, se despediu sem aviso prévio. Aproveitou seus últimos dias fazendo o que mais gostava: organizando eventos e recebendo amigos. Sua razão de viver era unir pessoas em torno de algo que realmente valesse a pena. Antonio soube viver.
No seu cartório, clientes e poetas, escrituras e poesias viveram em harmonia. A estante lotada de livros na sala onde dava expediente e recebia os amigos materializava a paixão pelas letras. Seus versos em mais de uma dezena de publicações mostram seu talento e amor pela poesia. Os amigos que conquistou, de todos os cantos e idéias, comprovam o quanto é bom viver na busca da paz e do entendimento.
Antonio carregava na palma da mão sua Academia, sempre falando com orgulho e satisfação dos escritores, das conquistas, das reuniões e dos projetos. E agora a gente fica contando histórias do Antonio poeta, vereador, deputado, cartorário, nascido na paulista Cedral em 1941, maringaense do distrito de Floriano e que formou uma bela família. A gente fica preenchendo o vazio com ternas recordações do digno Antonio.
Recordações como naquela noite de dezembro, quando o vibrante Antonio declamou os últimos versos da poesia sobre a Cidade Canção: Puxo a felicidade para cá. Nem sei se é verdadeira, mas faço a ode costumeira e sigo a buscar emoções sob os teus longos verões. O poeta Antonio fechou a janela e entrou no coração da gente. Eternamente.
(Publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 16/03/08)
segunda-feira, 10 de março de 2008
sexta-feira, 7 de março de 2008
A trilha sonora da vida
segunda-feira, 3 de março de 2008
Ao som da canção da desesperança
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008
Dadá e Lori
terça-feira, 19 de fevereiro de 2008
Menino da porta de casa
Ou melhor, não precisa aflorar, já está presente nas suas palavras, no seu sorriso, no seu jeito de ser. Ele é daqueles meninos que a gente fica torcendo para dar certo na vida, que adotamos sem nenhuma razão aparente, que pedimos a Deus para guiar seus passos.
O ídolo surgiu no final dos anos de 1990, num esporte que tínhamos como maior referência apenas Maria Esther Bueno, que havia assombrado o mundo do tênis com sete títulos em Wimbledon no final dos anos 50 até meados dos 60. Infelizmente, ela reinou numa época em que a televisão era artigo de luxo e transmissões de jogos de tênis ou mesmo notícias sobre o esporte eram um sonho distante.
Então chegou Guga surpreendendo em 1997, criando a gugamania e, por conta das sucessivas conquistas nos anos seguintes, glorificado como um dos grandes ídolos nacionais. Num país repleto de vilões em todas as esferas, em que as usuais manchetes nos informam que a esperança é uma retórica cansada e inútil, Guga é o contraponto.
O manezinho da ilha, de sorriso tímido e olhar confiante fez a gente se orgulhar da nossa brasilidade em cada saque, em cada defesa, em cada ponto, nas vitórias, nos títulos.
Para se tornar um eterno ídolo do povo, atravessando gerações, superando o tempo não basta somente vencer.
É preciso vencer com dor, enfrentar tantas adversidades, tornar sublimes determinados momentos, pôr, além dos músculos, a alma no embate. E no final saber agradecer, dividindo a vitória com todos. Enfim, é necessário fazer emocionar e se emocionar. Guga foi tudo isso.
Suas lágrimas de despedida, agradecimento e perdão por não poder mais continuar foram mais um componente para fixá-lo permanentemente no coração do povo que, em sua maioria, não sabe todas as regras do tênis, os termos utilizados, as jogadas e as táticas.
Guga é ídolo independente do tamanho da bola que tivesse jogado. Ele só tomou emprestado o tênis para mostrar sua genialidade e carisma. Guga não precisa pedir perdão. A lágrima de agradecimento é nossa.
O que alimenta a paixão por qualquer esporte é o ídolo, aquele que consegue, com técnica e talento ganhar a admiração do público. Mas, eles são logos substituídos por outros que fazem mais e melhor. Poucos ficam para sempre. Guga ficou porque é como se fosse de casa, como aqueles meninos, eternos meninos, que a gente fica torcendo para dar certo na vida.
(Publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, em 17/02/08)
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
Rugas diante do sol
Carregando o peso de 78 anos, ele sobrevive de lembranças. Rosto vincado, mãos tortas e calejadas e passos miúdos, Dito sabe que está se despedindo. Às vezes vem a completa aceitação. Imagina dormir e ser levado no sonho final.
Em certos dias vem a rebeldia, a luta para continuar. Quando isto acontece, ele acorda mais disposto e se recusa a ficar mais de quinze minutos na cadeira. Anda pra lá e pra cá como se assim fosse possível obstruir o inexorável caminho. Seu corpo é uma dor única, ora aguda, ora dentro dos limites.
Quais limites? Ele sabe que é forte. Coisa ruim não morre fácil, fala para si enquanto ri para dentro. Quando foi que eu dei uma risada pra valer? Acho que foi nos 70 anos. A patroa ainda estava viva e com saúde. Juntaram todos em volta de um bolo com recheio de pêssego, cantaram parabéns, tiraram fotos e eu e a velha pegamos juntos na faca para dar o pedaço para o primeiro bisneto.
O menino já deve estar com uns 10 anos. Ele é filho do... Como esta memória me trai. O sol bate na cara e ele gosta. Passa a mão na testa, os dedos passeiam pelos ralos cabelos. Com a outra mão tampa os olhos. Para protegê-los do sol ou esconder as lágrimas?
Dito nunca foi homem de chorar, mas ultimamente está difícil conter. Acontecimentos de 30, 40 anos vêm visitá-lo. Ele mistura datas, coloca situações vividas separadamente numa mesma época, mas não importa. Essencialmente, o que vale agora é recordar, garimpar o que foi bom. O que ele não sabia e só agora descobriu é que era um homem de poder.
Dito podia ir e vir, comer o que quisesse, dormir a hora que quisesse. Hoje, estes poderes elementares lhe foram tirados. Ficou dependente e vigiado. Ele lutou tanto, tanto, para acabar descansando numa cadeira. Os minutos passam lentamente, o sol continua forte queimando o rosto de Dito, um velho como tantos que empurram a vida tendo o asilo como penúltima morada.
(Livro Da minha janela, publicado em 2003)
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008
Um milhão daqui um tempo
Três centenas de milhares
E milhão daqui um tempo
Quando já estivermos fora
Quando formos só história
Quando alguém fizer poesia
E for falar dos nossos dias
Quando falarem do verde
E das flores que restarem
E buscarem nos relatos
Escritos, áudios e imagens
Vão fazer o nosso retrato
Para ver como a gente era
O que é que a gente fazia
Verão os nossos arquivos
Vão julgar os nossos atos
Pesquisarão nos nossos livros
Vias, edificações e praças
Parques, lagos e jardins
Eles verão a nossa alma
Quando já estivermos fora
Quando formos só história
Eles verão a nossa alma
quinta-feira, 31 de janeiro de 2008
Professorinha
terça-feira, 29 de janeiro de 2008
Sagrados pioneiros
Maringá prima pela valorização de seus pioneiros.
A cidade é jovem e, por isso, muitos dos que chegaram nas décadas de 40 e 50 estão vivos e constantemente são homenageados pelo poder público e entidades.
Na maior parte das publicações há um indisfarçável interesse em romancear a história da Cidade Canção. Nos relatos, a máxima de César – Vini, vidi, vici (vim, vi, venci) – serve como modelo para contar a saga dos pioneiros.
Os embates políticos são retratados, em sua maioria, de forma novelesca, como se todos lutassem pelo desenvolvimento da cidade com desprendimento, apenas pelo ideal de servir à comunidade e não para o ganho e satisfação pessoais.
Nos depoimentos dos pioneiros não se verificam críticas contundentes à administração municipal, Câmara de Vereadores e a outros setores.
A atuação da Companhia de Terras, que passou a se chamar Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, parece não merecer reparos. Os relatos convergem quase sempre para um único ponto: o da vitória com luta e garra. Certamente influenciados pelo mascaramento das informações históricas do Brasil até meados da década de 80, os historiadores fizeram de Maringá um lugar em que imperava a harmonia.
Pelo que se ouve e lê, os homens trabalhavam duro, mas com o semblante feliz e entoando a cantiga Maringá, de Joubert de Carvalho.
Esta visão distorcida de Maringá não pode ser debitada apenas a quem escreveu a história e a professores, estudantes, jornalistas e outros curiosos que hoje a reescrevem.
Para não ferir suscetibilidades, destinar críticas a quem não pode mais respondê-las e para não se vangloriar sob pena de tripudiar o fracasso de outros, os próprios pioneiros se encarregam de manter o mito da cidade formada em completa harmonia. Os filhos e netos mantêm esta chama viva. Os poetas caminham juntos neste objetivo.
Desfigurando a realidade, não são tomados depoimentos daqueles que vieram a Maringá e não prosperaram. E convenhamos, é difícil obter estas declarações. Também não foram divulgados registros daqueles que tiveram que devolver seus lotes à Companhia de Terras por falta de pagamento.
Torna-se impossível chegar a um número de famílias que não se adaptaram e foram tentar a sorte em outras regiões, dos que empobreceram, faliram, dos que morreram à mingua. Estas considerações se fazem necessárias para entender com mais precisão o desenvolvimento de Maringá e até mesmo para dar o devido valor aos que superaram as vicissitudes.
São muitas as perguntas sem respostas porque o que se encontra nos compêndios é apenas o produto final de Maringá. Lá está a boa informação. Um filtro na história. Como se a Cidade Canção tivesse chegado ao estágio atual somente por obra e graça de uma leva de homens sérios e trabalhadores cingidos por Deus.
(Livro A história de um cabo de José, de Maria e de todos os Santos, publicado em 2004)
segunda-feira, 28 de janeiro de 2008
Vivo e belo
Que me vê assim tão vivo
Não sabe o que corre além das veias
Dos músculos, órgãos e massas
Quem me vê assim tão belo é plácido
Não sabe o que está por trás deste sorriso torto
Destes olhos míopes
E destas palavras soltas
Quem me olha não me vê
Quem me toca não me sente
Nesta face sorridente
O bem e o mal se dão bem
Para bens, para males
O pensamento é um bicho solto
De possibilidades enormes
A vida é um riso torto
Visto por olhos disformes
Em mim tudo vive, nada é morto
Tudo pulsa, nunca dorme
(Dispersos versos errantes)
sexta-feira, 25 de janeiro de 2008
Eu incerto
Viajei sem sair do lugar
Nada do que vi me satisfez
Distribui amores sem nada levar
Saí buscando razões
Me perdi em evasivas
Aumentaram as interrogações
Acabaram minhas teses conclusivas
Sou corpo, alma e coração
Risos, lágrimas, abraços e adeus
Um a mais buscando explicação
Um ser, uma voz, uma vida, eu
Desventuras de um cliente sem força na conta-corrente
Você chega ao banco pouco antes das 11 horas, horário em que ele será aberto. Já encontra uma fila com trinta pessoas. Quando as portas são abertas, mais de vinte estão atrás de você. Você entra apressado porque sempre tem uns gaiatos que querem cortar a fila.
Memórias de um Carnaval adolescente
terça-feira, 8 de janeiro de 2008
Vida e bola
Passou a Coppa de 70 e já não queria mais ser Gerson. As crianças são por demais inconstantes. Cansei de brincar de Gerson. Gerson ficou na história. Agora, queria ser Rivelino. Ser Gerson foi muito cansativo. Tinha que fazer lançamentos e gritar com todos os companheiros. Não sabia fazer nem uma coisa nem outra.
Quis ser muita gente boa de bola. Estive no Canal 100 dando dribles como o Garrincha. Fui Falcão liderando a Roma no título de 80. Vesti vermelho e preto para ser Zico. Fui o artilheiro mineiro Reinaldo. Internacionalizei meus sonhos para ser Maradona e Platini. Só não tive a pretensão de ser Pelé. Nem em sonhos eu conseguiria.
Passei dos 40. Minhas flácidas e meu diminuto fôlego me impedem de tentar fazer algo parecido com o que meus ídolos faziam. Os sonhos já não são tão fantásticos porque já não estou mais neles. Sonho em preto e branco.
Sonho com um estádio que leva o nome de uma vila, um time vestido todo de branco e figuras negras fazendo mágicas. Sonho com um tiro de Paulo Borges de fora da área, a explosão de um Pacaembu comemorando o fim de uma era de suplícios, o fim de um tabu.Sonho em múltiplas cores. No meu sonho desfilam meio-campistas de times históricos: Andrade, Adílio e Zico; Piaza, Zé Carlos e Dirceu Lopes; Dudu e Ademir da Guia; e Clodoaldo e Gerson.
Vagueio entre datas nada cronológicas. Abro espaço para Romário, Ronaldo e Rivaldo. A bola rola. O tempo e o lugar não são tão importantes. Por isto, eu sou o espírito do futebol. Sou onipresente. Não tenho cores definidas, portanto, não tenho adversários.
Sou o amor e a alegria que impulsionam a bola através dos tempos. Sou o garoto de sempre, que faz da inconstância na admiração uma forma de homenagear os mestres da bola. Sou o garoto de todas as idades que eterniza o futebol.
(Do livro Da minha janela, publicado em 2003)