quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Professorinha


Olhar assustado. Guarda-pó novo e branquíssimo. Mamãe caprichou. Completando a indumentária, o par de botinas e a calça curta de brim. Devidamente uniformizados, os cerca de trinta pirralhos aguardavam ansiosos a chegada da professora. Muitos ali já se conheciam e por isso as duplas, para ocupar as carteiras de dois lugares, iam sendo formadas naturalmente.
Do meu lado ficou o Zé Antonio, craque de bola, salva, estilingue e tudo o que exigisse preparo físico e pontaria. Menino ao lado de menina nem pensar. No início dos anos 60, a timidez era das maiores e não havia o incentivo das escolas para esta integração. A dona Mariinha, bela e loura no frescor de seus 20 anos, entrou na sala e aquelas três dezenas de cabecinhas se viraram.
Todos ficaram em pé. Esta reverência fazia parte dos costumes. A primeira professora de nossas vidas acabava de chegar. Não havia os prezinhos e por isso aquele dia se tornou um acontecimento. As imagens são nebulosas sobre o que aconteceu nas quatro horas seguintes daquela manhã e durante aquele 1964.
A dona Mariinha, assim que tínhamos de chamá-la e não de tia, como faz a garotada de hoje, era muito tranqüila, mas sabia ser enérgica. Realmente, ela nasceu para ensinar. A primeira professora é difícil esquecer. Aquela mulher que nos colocou um lápis entre os dedos, a mão sobre a mão da gente, nos levando a fazer contornos na primeira página dos nossos cadernos, nos encaminhando para o conhecimento.
A mestra, que com extensa régua apontando para o quadro negro, puxando a melodia do beabá, nos abrindo os canais do entendimento, ficará sempre na memória. Escolhi a dona Mariinha para homenagear a todos os que labutam no ofício de ensinar, os que fazem desta honrada profissão um sacerdócio. Perdi todo o contato com aquela turma do primeiro ano primário e nem sei por onde anda aquela professorinha. As felizes lembranças daqueles dias, contudo, não se apagam.
(Livro Da minha janela, publicado em 2003)

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Sagrados pioneiros



Maringá prima pela valorização de seus pioneiros.
A cidade é jovem e, por isso, muitos dos que chegaram nas décadas de 40 e 50 estão vivos e constantemente são homenageados pelo poder público e entidades.

Na maior parte das publicações há um indisfarçável interesse em romancear a história da Cidade Canção. Nos relatos, a máxima de César – Vini, vidi, vici (vim, vi, venci) – serve como modelo para contar a saga dos pioneiros.

Os embates políticos são retratados, em sua maioria, de forma novelesca, como se todos lutassem pelo desenvolvimento da cidade com desprendimento, apenas pelo ideal de servir à comunidade e não para o ganho e satisfação pessoais.

Nos depoimentos dos pioneiros não se verificam críticas contundentes à administração municipal, Câmara de Vereadores e a outros setores.

A atuação da Companhia de Terras, que passou a se chamar Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, parece não merecer reparos. Os relatos convergem quase sempre para um único ponto: o da vitória com luta e garra. Certamente influenciados pelo mascaramento das informações históricas do Brasil até meados da década de 80, os historiadores fizeram de Maringá um lugar em que imperava a harmonia.

Pelo que se ouve e lê, os homens trabalhavam duro, mas com o semblante feliz e entoando a cantiga Maringá, de Joubert de Carvalho.

Esta visão distorcida de Maringá não pode ser debitada apenas a quem escreveu a história e a professores, estudantes, jornalistas e outros curiosos que hoje a reescrevem.

Para não ferir suscetibilidades, destinar críticas a quem não pode mais respondê-las e para não se vangloriar sob pena de tripudiar o fracasso de outros, os próprios pioneiros se encarregam de manter o mito da cidade formada em completa harmonia. Os filhos e netos mantêm esta chama viva. Os poetas caminham juntos neste objetivo.

Desfigurando a realidade, não são tomados depoimentos daqueles que vieram a Maringá e não prosperaram. E convenhamos, é difícil obter estas declarações. Também não foram divulgados registros daqueles que tiveram que devolver seus lotes à Companhia de Terras por falta de pagamento.

Torna-se impossível chegar a um número de famílias que não se adaptaram e foram tentar a sorte em outras regiões, dos que empobreceram, faliram, dos que morreram à mingua. Estas considerações se fazem necessárias para entender com mais precisão o desenvolvimento de Maringá e até mesmo para dar o devido valor aos que superaram as vicissitudes.

São muitas as perguntas sem respostas porque o que se encontra nos compêndios é apenas o produto final de Maringá. Lá está a boa informação. Um filtro na história. Como se a Cidade Canção tivesse chegado ao estágio atual somente por obra e graça de uma leva de homens sérios e trabalhadores cingidos por Deus.


(Livro A história de um cabo de José, de Maria e de todos os Santos, publicado em 2004)

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Vivo e belo


Que me vê assim tão vivo
Não sabe o que corre além das veias
Dos músculos, órgãos e massas

Quem me vê assim tão belo é plácido
Não sabe o que está por trás deste sorriso torto
Destes olhos míopes
E destas palavras soltas

Quem me olha não me vê
Quem me toca não me sente

Nesta face sorridente
O bem e o mal se dão bem
Para bens, para males

O pensamento é um bicho solto
De possibilidades enormes
A vida é um riso torto
Visto por olhos disformes
Em mim tudo vive, nada é morto
Tudo pulsa, nunca dorme


(Dispersos versos errantes)

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Eu incerto





Nada do que sei é certeza
Viajei sem sair do lugar
Nada do que vi me satisfez
Distribui amores sem nada levar

Saí buscando razões
Me perdi em evasivas
Aumentaram as interrogações
Acabaram minhas teses conclusivas

Sou corpo, alma e coração
Risos, lágrimas, abraços e adeus
Um a mais buscando explicação
Um ser, uma voz, uma vida, eu

(Anos 80 entrando nos 90)

Desventuras de um cliente sem força na conta-corrente



Você chega ao banco pouco antes das 11 horas, horário em que ele será aberto. Já encontra uma fila com trinta pessoas. Quando as portas são abertas, mais de vinte estão atrás de você. Você entra apressado porque sempre tem uns gaiatos que querem cortar a fila.
Gente apressada que está sacrificando o almoço para depositar e, principalmente, pagar contas e cobrir cheques. Pressa, mas é preciso paciência. Ou então, o melhor é chegar às 10 para arrumar um bom lugar na fila. É depois das 10 que muitas pessoas conseguem entrar pelas portas do fundo.
Não adianta reclamar. Você não é cliente personalizado, portanto não tem guichê próprio e nem vai ser atendido antes ou depois do expediente. E sem direito a cafezinho. Fique na sua porque o seu depósito é mensal. Você pega o pagamento, coloca na conta-corrente e em menos de uma semana evaporou.
Se é só pra isso, por que você continua a trabalhar com o banco? Simples: os pré-datados são moeda corrente neste país e não dá para abrir mão. Imaginou ter de encarar a secretária sisuda em um hospital numa emergência às 4 da madrugada sem o pré-datado? Ou quando o tanque está vazio e o pagamento longe? Lá vai outro pré e seja o que Deus quiser.
O histórico de sua conta-corrente é deprimente: um depósito e vinte cheques. O débito sempre superando o crédito. O limite do seu especial – não tão especial assim – supre a diferença. Você já tentou aumentar, mas o gerente, sempre lembrando das ordens da matriz, diz que pela movimentação é impossível.
Quando você vai pegar um talão, fazem uma conferência de Genebra para liberar. Você faz parte da massa que dá um lucro extraordinário aos bancos, mas individualmente... Então você está na fila pensando em todas estas coisas enquanto funcionários uniformizados transitam pelo cenário informatizado.
Coisa de primeiro mundo. À sua frente, as pessoas com ar de enfado já não têm mais para onde olhar. Você observa os documentos que elas levam. Calcula: se cada uma levar dois minutos para ser atendida, vou ficar 20 na espera. No mínimo. São mais de vinte guichês, mas para a fila que lhe destinaram somente dois funcionários estão no trampo.
As outras caixas funcionam apenas como enfeite. Mais atrás, vários bancários se movimentam. Você se pergunta por que eles não vêm para a frente. Paciência, não é o setor deles. Você se conforta ao olhar para trás. Mais de trinta esperam chegar a vez. Você dá até um sorrisinho disfarçado enquanto pensa que eles não vão sair antes do meio-dia. Aplique, não saia mais de casa, cuidado com o cartão, poupe, faça leasing, financiamento...
São tantos apelos nos grandes cartazes que você acha que está no prejuízo por não entrar em nenhum daqueles itens. Chega a sua vez. Os documentos na sua mão estão até um pouco úmidos. Você os entrega para a moça de blusa clara, botões até o pescoço e com penteado já preparado para a festa da noite, que diz: “Desculpe, senhor, mas não podemos receber. Depois do prazo, o pagamento deve ser efetuado apenas na seguradora. E não recebemos conta de luz.”


(Do livro Da minha janela, publicado em 2003)

Memórias de um Carnaval adolescente


Estamos no Carnaval de 1974. Olímpico e Country novamente se rivalizam para fazer os melhores bailes. Com decoração caprichada, os salões do Teuto Brasileiro, Centro Português, Maringá Clube e Acema também estão lotados. Quem é associado vai aos clubes, em pelo menos uma das noites. É uma tradição, quase uma obrigação.
Os jornais fazem ampla cobertura dos bailes. As marchinhas predominam. Sambas clássicos também são executados. Nada de sertanejo, jovem guarda, axé e pagode em ritmo acelerado. Durante meses os blocos prepararam suas fantasias. Há vários concursos. Quem não quer usar máscara, pintar a cara ou pôr roupas extravagantes vai de bermuda, camiseta e tênis Bamba.
O lança-perfume já é proibido. Proibido, mas difícil de fiscalizar. A festa vai até o amanhecer. A noite agitada termina com banhos de piscina. Os festejos do Momo começaram na sexta-feira e vão até a terça, entrando na quarta de Cinzas.
Continuamos ainda em 1974. A cidade ainda é Maringá, a região é central, o baile é de Carnaval. É o sábado de Carnaval. Mas o público não é sócio de clube, não tem fantasia, não bebe uísque e nem cheira lança-perfume. Estamos no Ginásio do Maringá Clube, batizado de Ginasião. É o baile do povão. A Prefeitura alugou o local e transformou a quadra em salão de baile. As arquibancadas são a extensão do salão. Ali se dança, descansa, se abraça e se amassa.
A folia começou às 10 da noite e vai passar das 5 da madrugada. A barra só parece ser pesada. A segurança é frouxa, não houve revista na entrada. A polícia conhece quem é quem e, portanto, não há necessidade de grande aparato. As marchinhas acionam a alegria. Os inevitáveis arranca-rabos começam e terminam rapidamente. Pessoas de todas as idades brincam no salão e nas arquibancadas.
As mulheres de blusa e short comportados e os rapazes de bermuda, sem camisas. O bar vende cerveja e destilados. A entrada nos sanitários é tumultuada. Casais se enroscam no chão, junto à parede. É a paixão e o álcool embalando o Carnaval.
Passa da meia-noite. O prefeito e a primeira dama chegam com o Rei Momo. O vocalista da banda anuncia as autoridades. Todos batem palmas. Eles estiveram em todos os clubes e não iam deixar o Ginasião de fora. Saem logo. Muita gente faz questão de cumprimentar e agradecer o prefeito e a sua, diga-se de passagem, bela esposa pela festa.
Depois de Máscara Negra vem a indefectível “Ai, ai, ai, ai, tá chegando a hora, o dia já vem raiando meu bem e eu tenho que ir embora”. Amanhece, quase todo mundo a pé, em direção aos pontos de ônibus. Amanhã tem mais. Mas os bailes populares foram para outros lugares até acabarem de vez. O Ginasião ficou aqui, bem guardado.
(Publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná em 18/02/07)

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Vida e bola

Queria ser Gerson. Nos meus sonhos eu era o Canhotinha de Ouro. Nas peladas, queria fazer como ele. Havia um problema: era destro. De tanto treinar, virei ambidestro. Não conseguia, contudo, fazer lançamentos de 30, 40 metros. Não conseguia organizar o meu time, não falava como ele e não tinha o espírito de liderança igual ao dele.

Quando o Brasil ganhou o tri, ganhei junto com o Gerson. O na final contra a Itália, o segundo, o que abriu o caminho para a goleada, teve a minha contribuição. Quando a bola sobreou para ele, depois da jogada de Jairzinho, na meia-lua da grande área, juntos soltamos a canhota, corremos, um ao lado do outro, de braços abertos. O Estádio Asteca nos aplaudiu, o Gerson e eu. Choramos e erguemos as mãos para o céu, eu e ele, quando soou o apito final.

Passou a Coppa de 70 e já não queria mais ser Gerson. As crianças são por demais inconstantes. Cansei de brincar de Gerson. Gerson ficou na história. Agora, queria ser Rivelino. Ser Gerson foi muito cansativo. Tinha que fazer lançamentos e gritar com todos os companheiros. Não sabia fazer nem uma coisa nem outra.
Mudei. Passei a ser Rivelino. Era só jogar mais adiantado e mandar a bomba de canhota. Fechava os olhos e me via num Morumbi lotado lutando com meus companheiros do Timão para quebrar o jejum de títulos. O Cortinhians perdia mais do que ganhava. No final, Riva era criticado pela imprensa e pela torcida. A Fiel já não o queria mais por lá. Sofríamos juntos. Acabaram destronando o Reizinho do Parque. Rivelino foi para as Laranjeiras e eu, na minha inconstância e pelo fato de ser corintiano acima de tudo, preferi ser outro craque. Passei as ser Sócrates. Minha técnica futebolística não ia além de uns golzinhos de bico. Mas queria fazer como o Magrão. Cheguei a dar alguns toques de calcanhar, todos sem objetividade, ao contrário do meu ídolo da ocasião, que fazia gols de costas para o goleiro e deixava os companheiros na cara do gol para concluir. Larguei mão de ser Sócrates quando seu gás acabou em 86 e ele errou o penalti contra a França.Já vinha me identificando com Careca. Queria ser igualzinho ao habilidoso e raçudo atacante do Guarani e do São Paulo. Vã tentativa. fazer gols como o Careca era impossível para um cara como eu, dono de um estilo tosco e desajeitado. Torci para que ele curasse do joelho em 82. Não deu. Naquela seleção inesquecível de Telê faltou meu ídolo. Chorei quando Paulo Rossi nos tirou o tetra, mas meu choro já vinha de antes.


Quis ser muita gente boa de bola. Estive no Canal 100 dando dribles como o Garrincha. Fui Falcão liderando a Roma no título de 80. Vesti vermelho e preto para ser Zico. Fui o artilheiro mineiro Reinaldo. Internacionalizei meus sonhos para ser Maradona e Platini. Só não tive a pretensão de ser Pelé. Nem em sonhos eu conseguiria.







Passei dos 40. Minhas flácidas e meu diminuto fôlego me impedem de tentar fazer algo parecido com o que meus ídolos faziam. Os sonhos já não são tão fantásticos porque já não estou mais neles. Sonho em preto e branco.

Sonho com um estádio que leva o nome de uma vila, um time vestido todo de branco e figuras negras fazendo mágicas. Sonho com um tiro de Paulo Borges de fora da área, a explosão de um Pacaembu comemorando o fim de uma era de suplícios, o fim de um tabu.



Sonho em múltiplas cores. No meu sonho desfilam meio-campistas de times históricos: Andrade, Adílio e Zico; Piaza, Zé Carlos e Dirceu Lopes; Dudu e Ademir da Guia; e Clodoaldo e Gerson.




Vagueio entre datas nada cronológicas. Abro espaço para Romário, Ronaldo e Rivaldo. A bola rola. O tempo e o lugar não são tão importantes. Por isto, eu sou o espírito do futebol. Sou onipresente. Não tenho cores definidas, portanto, não tenho adversários.








Sou o amor e a alegria que impulsionam a bola através dos tempos. Sou o garoto de sempre, que faz da inconstância na admiração uma forma de homenagear os mestres da bola. Sou o garoto de todas as idades que eterniza o futebol.

(Do livro Da minha janela, publicado em 2003)

Nasci Antonio




Nasci Antonio como poderia ser João ou Pedro. O parto aconteceu entre Santo Antonio e São João, entre fogos de artifício e bandeirinhas coloridas. Feliz de quem nasce em junho. Pega carona nas festas juninas e recebe benção tripla. A benção do triunvirato Antonio, João e Pedro.

Parto normal como eram normais todos os partos daquele tempo e daquele lugar. Parto normal com uma exímia parteira. Aliás, dizem que todas as parteiras daquela época, que não é tão distante assim, eram ótimas. Uma prática que foi banida. Até o parto normal ficou fora de moda. Hoje a mamãe quer um rasgo na barriga para colocar o rebento no mundo.

Nasci Antonio como poderia ser João ou Pedro. Ou João Pedro. Ou Antonio João, ou Antonio Pedro. Vice-versa. É por isso que há tantos Antonios, Pedros e Joãos. Falta de criatividade dos pais? Nada disso. Nascer em junho é uma dádiva e por isso vamos pedir que Santo Antonio, São João e São Pedro protejam nossas crianças.

Com o tempo a tradição foi morrendo. Os Antonios, Joãos e Pedros passaram dos 40. Com a morte desta turma, no terceiro milênio vai ser difícil encontrar alguém com um destes nomes. Vai acabar sendo chique achar um cara com o pomposo nome de Antonio João Pedro da Silva.

Hoje, os nomes próprios ficaram americanizados. Poucos dos nossos filhos têm nome de santo. As festas juninas continuam. Não por alguma reverência à tríade santificada. Ninguém lembra disso. É preciso aproveitar a ocasião para faturar. Não demora e até evangélico vai fazer festa junina. Pipoca, cerveja, salgadinho, bingo, quadrilha. E nenhum cartaz do santo casamenteiro, do apóstolo preferido de Cristo, e de Pedro, o líder, o homem de confiança, o primeiro papa.

A imaginação, a inventividade do brasileiro não tem limites. Com o comércio tão próspero em junho, a festa foi esticada. Temos também as festas julinas. Logo, logo pintam as agostinas e as setembrinas. Os eventos para homenagear Antonio, João e Pedro foram totalmente desvirtuados.

Nasci Antonio como poderia ter nascido Sebastião ou Jacinto. Ou Sebastião Jacinto. E você me pergunta o que tem a ver com esta história o Sebastião ou o Jacinto. E eu lhe respondo que por pouco não recebi estas duas pérolas no meu registro.

Lembra que os pais costumavam juntar os nomes dos avôs e sem qualquer consentimento registravam o indefeso naquela de fazer dupla média com o pai e o sogro? Segundo me contaram foi o que quase aconteceu. Salvo pela providencial interferência da mãe deste primogênito, que homenageou um santo e, para não ficar muito carola, tascou um nome pagão na seqüência.

Nasci Antonio entre fogueiras de Santo Antonio e São João. Bandeirinhas perfiladas, sanfonas, saias floridas e quentão. Pipocar de rojões e crianças excitadas correndo de um lado para outro. Sem hospital, maternidade ou homens e mulheres de branco. Só uma casinha de madeira, a parentada e a vizinhança na expectativa, uma mulher iniciando na função de mãe e uma excelente parteira. Nasci em junho, quando o céu é mais brilhante.

(Do livro Da minha janela, publicado em 2003)

Saudade infinita




Uma saudade infinita. Daquelas que divertimento nenhum aplaca. Um incômodo constante, uma dor que corrói forçando as lágrimas. Um balanço permanente de revolta e aceitação. Em certos dias a balança pende mais para um lado. Abrir a porta para esperar quem nunca vai chegar.


Tocar a vida e sentir culpa por ter esquecido ainda que momentaneamente. Momentos que duram anos. E, de repente, uma música toca. Aquela música cantada a plenos pulmões que fazia divertir os que ouviam por causa da voz desafinada.


A foto amarelada na última página de um álbum esquecido em que o clic perenizou o instante de felicidade. De repente, o retorno. Ao passar por aquele bar, onde garrafas vazias se amontoavam, naquela mesa quadrada com o logotipo da cerveja, nos enchendo de alegrias, nos fazendo indestrutíveis, sem a compreensão de que se é feliz justamente por existir um ponto final.


Se assim não fosse não se correria contra o tempo tentando abraçar o mundo. Abriríamos burocraticamente espaços para sorrir e chorar. Chorar ao recordar situações, nas coincidências de fatos, em datas específicas, como a de hoje. Uma saudade infinita acompanhada de hiatos.

Mas é preciso viver. Há uma saudade para cada um que se vai nos deixando lacunas, aumentando nossa orfandade.


Somos a soma de tudo com o que e com quem nos relacionamos. Por isso, quem parte leva um pouco da gente e deixa sua marca. Portanto, morremos um pouco em cada despedida e perpetuamos quem esteve conosco. A vida é colecionar emoções. Então não podemos deixar que a saudade interfira no processo de marcar e ser marcado pelas pessoas que amamos.


(Do livro Da minha janela, publicado em 2003)

Sempre um garoto



Meus 16 há muito ficaram para trás. Minha inocência o vento levou pouco a pouco. Sobraram os restos. Fotografias sustentam o passado. Músicas acionam recordações.
No salão vazio, danço com a imaginária morena de branco que faz 15 anos. Revejo amigos, as vozes familiares, as risadas. Agora sou um garoto que anda despreocupado chutando latas numa rua sem fim. Meus amigos estão comigo e nossos corpos jamais vão envelhecer.
O dia é noite e vice-versa. O sonho é real e o contrário também vale. Este dia não acaba nunca e o sonho é repartido. Nosso uniforme nos faz iguais. Azul e branco duradouros. Faço um gol. A bola veio à meia altura. Na altura exata da imaginação.
Bati de primeira e a primeira coisa que fiz foi pular feito um doido e depois correr. Um animal livre de celas e amarras comemorando mais do que o gol: o instante da eterna alegria.
Tenho fibra e físico, coração e razão, força para vencer qualquer goleiro. Um caderninho espiral com garranchos dispostos quase organizadamente me transporta. Estou de novo brigando com as proparoxítonas. Posso ver nitidamente as letras que formam o logotipo da escola no bolso esquerdo da minha camisa.
Não resolvo os meandros da língua, mas estou feliz. Estou contextualizado neste lugar e isto é o que importa. Meus cabelos são longos e lisa é a minha pele. Braços e pernas fortes. O enigma ainda não se apossou de meu sorriso. O medo existe, mas fica comportado no seu canto sem interferir nas ações.
Não temo o perigo. Tenho projetos. Resolvo minha vida num estalo e sofro de forma avassaladora. Esparramo minha dor por alguns segundos, porque sofrer é necessário, e logo em seguida destino risos para todos os lados, porque é vital. Sou volúvel porque assim é que tem que ser. Sou o garoto apaixonado pela vida que não quer cronologia.
Tem que ser assim. Meus 16 há muito ficaram para trás. Minha inocência se esvaiu. Tenho fibra e físico, coração e razão, mas não sei se tenho forças para vencer qualquer goleiro. O medo virou comparsa. Já não resolvo minha vida e já não sofro tanto. Mas, continuo sendo um garoto apaixonado pela vida. Porque assim é que tem que ser.
(Do livro Da minha janela, publicado em 2003)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Gente da imprensa - Fábio Massalli

Ao fazer reportagem, Fábio Massalli topou ser partner do atirador de facas (foto do www.bardobulga.blogspot.com)
Fábio Massali e os jornalistas Marcelo Bulgarelli e Thiago Alonso (foto do www.bardobulga.blogspot.com)

Nome completo:
Fábio Robson Massalli

Data nascimento:
03/09/1974

Onde trabalha?
Jornal O Diário do Norte do Paraná e professor no Cesumar

E-mail:
massalli@odiariomaringa.com.br


Quando você começou a trabalhar na imprensa e como foi o início?
Eu comecei a trabalhar ainda na faculdade. Quando estava na metade do segundo ano, fui convidado para fazer parte da Assessoria de Imprensa do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba. Na época eles tinham uma grande estrutura e, além dos jornais, boletins e atividades inerentes à assessoria, possuíam um programa de TV semanal produzido inteiramente pela Assessoria. A equipe era formada por seis pessoas, um jornalista formado, uma relações públicas e os outros eram estudantes de jornalismo. Foi um começo estranho, pois muitas vezes eu tinha atividades na prática antes mesmo de estudar na teoria. Foi assim que aprendi a diagramar e tive a pouca noção que tenho de televisão (o que aliás odeio fazer). Mas foi uma aprendizagem muito rica, principalmente na época de data base, quando saímos de madrugada fechando jornal.

O que você já fez na vida além de trabalhar na imprensa?
Fui professor de inglês.

Em quais veículos de comunicação você já trabalhou?
Assessoria de Imprensa do Sindicato dos Metalúrgicos, Assessoria de Imprensa da Sagy International, tive uma agência de comunicação em Curitiba e trabalhei nos jornais Folha da Imprensa, Indústria & Comércio, Revista Conexão Maringá e em O Diário do Norte do Paraná.

Quais as suas reportagens mais marcantes?
Foram várias, a maioria perdida na memória. Mas tiveram três que foram em especial marcantes, todas feitas em O Diário. 1) A dor de mães que perderam os filhos, em que entrevistei diversas mães que passaram por esse trauma e essa perda e foi uma matéria muito emocionante. 2) O cotidiano dos moradores do albergue. Conversei com algumas pessoas que necessitam do albergue de Maringá para poder ter um teto onde dormir. Foi ainda mais marcante depois que uma entrevistada, para uma outra matéria, me disse que chorou ao ler aquela reportagem. 3) A primeira vez que cobri o Natal dos Correios. Foi marcante em especial porque numa das primeiras entregas fomos em uma casa de madeira simples. Os pais tinham AIDS e a criança mesmo com os presentes que ganhou permanecia triste, sem emoções. Para completar, quando toda a trupe que acompanha o Natal dos Correios entrou na casa, deixaram o portão aberto e um cachorro entrou, atacou e matou um coelho que estava no quintal. Eu vi aquilo e fiquei me perguntando se aquele coelho não seria do menino.

Quais as maiores alegrias atuando na imprensa?
Sentir o prazer de escrever uma grande reportagem, principalmente se algum leitor comentá-la.
Quais as decepções?
Apresentar e ter uma pauta e não poder executá-la por algum motivo, principalmente se for por falta de tempo.

Quais os planos?
Continuar escrevendo. Escolhi essa profissão porque gosto de escrever.

Já pensou em fazer outra coisa na vida?
Não.

Quem você admira na imprensa?
Diversos profissionais da imprensa maringaense, muitos colegas de trabalho, que prefiro não nomear para não causar desentendimentos.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Gente da imprensa - Luiz Fabretti

Nome:
Luiz Fabretti

Nascimento:
18 de fevereiro de 1966

Onde trabalha:
TV Maringá, afiliada da Band

E-mail:
luizfabretti@hotmail.com

Quando você começou a trabalhar na imprensa e como foi o início?
Bem, eu já era fã de carteirinha dos programas de esporte no rádio. Morava em um sítio no município de Astorga e ouvia na rádio o Paulo Pucca e equipe. Uma turma boa: Oswaldo dos Santos, Waldir Pinheiro, Tatá Cabral, Ary Bueno de Godoy, Odair Miguel... Nossa, era uma grande equipe. Tinha na também a equipe do Durval Leal, Germano Filho e outros. Bem, essa introdução é pra dizer que eu e meu irmão Leonardo treinávamos ainda garotos pra ser repórter. Bem em 1980 viemos pra Maringá. Em 86, conheci na sala de aula Silvio Maia, que me apresentou a Nelson Rodrigues, na Difusora. Aí comecei como sonoplasta (não era meu forte) e acabei na equipe de esportes. Na época, Carlos Martins, Nelson Rodrigues, Salles Júnior, Paulo Pantera, Tião Sobrinho e eu, o aprendiz. O que você já fez na vida além de trabalhar na imprensa? Vi a geada de 75. Plantei café. Estudei na Guarda Mirim. Meu primeiro emprego foi como mecanógrafo. Depois, loja de roupas, como vendedor.

Em quais veículos de comunicação você já trabalhou?
Rádio Difusora, 86.
Jornal Correio da Cidade 87 – semanário.
Rádio Sorriso MT, 89.
Rádio Ingamar, 90.
Rádio Cultura, 94.
Rádio Atalaia 95 a 2000, quando deixei o rádio.
TV Maringá – Jornal da Manhã, 95 a 99.
TV Record, 99.
RTV – 99 a 2003.
TV Maringá, Band, Paraná Notícias, desde 2003.

Quais as suas reportagens mais marcantes?
Dezenas delas. No rádio, entrevistas exclusivas com jogadores fantásticos, técnicos e radialistas: Leonardo, Raí, Parreira, Zico, Alex, Fiori Gigliotti, Vanderlei Luxemburgo, Zetti, César Sampaio, Muller, Júnior, Roberto Carlos, Cafu. Foram muitos. Mas o que mais marcou foi estar ao vivo no Estádio do Morumbi, no dia da morte de Ayrton Senna... Eu entrevistava o médico responsável pelo Unicor-SP e perguntava pra ele sobre as possibilidades de Ayrton. Foi quando o placar anunciou a morte de Senna. Foi um silêncio profundo no estádio que estava lotado pra mais uma final. Morria o piloto, nascia o mito. Marcante também foi estar em Curitiba na queda do Grêmio Maringá para a segunda divisão.



Quais as maiores alegrias atuando na imprensa?
Ter me formado em jornalismo foi o máximo. Foi uma honra ter conhecido gente ‘grande’ do rádio de S.Paulo. Ser chamado pelo nome por pessoas como Loureiro Júnior, Vanderlei Ribeiro, Osmar Garrafa, Romeo César. Ter trabalhado literalmente ao lado de Roberto Ruiz e Pinheiro Neto na vila mais famosa, a Vila Belmiro. Só momentos de alegria. Alegria de ter sido o repórter correspondente da B-2, a Rádio Clube Paranaense, por vários anos. Ter tido o reconhecimento de Lombardi Júnior e Edgar Felipe. Só feras. Alegria de ter tido a oportunidade de ter trabalhado na Turma do Microfonão, comandada por Ayrton Costa. Um free-som. Mais tarde, empunhar o microfone da maior audiência do rádio na época, com Denival Pinto.
Na TV, ter recebido parabéns de Ricardo Boechat, pela matéria da mulher mais velha do mundo que vive em Astorga. Ele ligou no meu celular...não acreditei. De ter feito matérias ‘nacional’ pra Band. São bons momentos, esses.
Quais as decepções?
Nunca tive uma grande decepção não. Foram coisas de rotina, sem muitas queixas. Sempre fiz meu trabalho muito sério e profissional, Tenho posicionamentos muito particulares. Tenho opinião própria e isso às vezes incomoda algumas pessoas.
Quais os planos?
Consolidar o projeto Paraná Notícias na Band. Crescer e no futuro morar na beira do mar. Escrever um livro e formar minha filha.

Já pensou em fazer outra coisa na vida?
Penso sim em largar a profissão. Amo ser jornalista, mas acho que quero mais pra mim. Como sou desprovido de vaidade e desse lance de amor a profissão ou a profissão é uma cachaça. Isso tudo é papo furado. Faço o que gosto por dinheiro. O dia que não for bom pra mim eu largo tudo. Lido bem com esse lado do emocional. Não sentiria falta não. Não sou daquelas pessoas que para ser jornalista tem de estar mal vestido ou parado em um boteco bebendo e fumando. E pior, falando dos “colegas”. Penso muito em meu bem-estar sócio-econômico. Penso em ser um empresário de algo grande e fazer mais uma faculdade. De direito, talvez.
Quem você admira na imprensa?
Caramba... Um monte de gente boa ai. No rádio, Éder Luiz, Dirceu Maravilha, Paulo R. Martins, Ulisses Costa, , Ruy Carlos Osterman, Edegar Felipe, Mauro Beting, Júlio Meneguetti, entre outros.
Não gosto de jeito nenhum de Herodoto Barbeiro, Milton Neves, Carlos Heitor Cony e Arthur Xexéu. Uns chatos. Na TV, as feras são Arnaldo Jabor (“the best”), Ana Paula Padrão, Lillian Witte Fibe e Reginaldo Leme. Os piores são o Gugu (o pior dos piores), Luciana Gimenez, Eliane, Xuxa, Pânico na TV e outros mais que não vejo. Lixo é pouco para eles.
Mensagem:
Ter opinião é importante neste meio. Que todos olhemos menos os defeitos dos outros e tentemos melhorar os nossos para poder transformá-los em virtudes. A profissão é boa, mas as pessoas são, em via de regra, falsas. Entre Jovens e velhos, cada qual tem sua importância. Na profissão, ninguém é imparcial o bastante para ficar isento ou tão ético o bastante para não ser criticado. Estamos sempre de um lado em qualquer que seja o assunto. Derivamos os dedos, a fala ou as imagens para onde queremos dar destaque, e nem sempre o que parece ser correto, é.