sexta-feira, 31 de julho de 2009

Excitação poética em fim de tarde

Senta
Uma perna
Em cima da outra
Graciosa
Estica o braço
Levanta um dedo
Sobe a blusa
O umbigo toma a cena
Cenário lusco-fusco
Ocupando o corpo queimado
Lá se vai a tarde
Refrigerante na metade
Vai-e-vem dos quadris
Olhos pra frente
Arrogância instalada
Transpondo a porta
Ganhando a rua
Nada mais é preciso
Fim do dia
Outra cerveja
E a certeza
De que ela virou poesia


(ARP - publicado no livro V Coletânea - Academia de Letras de Maringá - junho 2009)

terça-feira, 28 de julho de 2009

O Deus dos desgarrados

O Deus daquela igreja parece maior do que o da minha, mais forte e poderoso. Os milagres de lá devem ser mais completos do que os de cá. Acho que a salvação de lá é mais completa. Imagino que lá os pecados são todos perdoados. A alma se transforma em puro linho branco. Os meus irmãos daquele lado têm a alma alva e o espírito iluminado. Devem ter obtido a senha para chegar ao céu. Já estão no paraíso enquanto fazem um pitstop na terra.

Aqui, neste canto, fico preocupado em saber a quantas anda minhas possibilidades de ser salvo. Pergunto se entrei na igreja certa. Tive tantas escolhas depois de moço, tantas chances de me encontrar e outras tantas para me perder. Tive motivações e desânimos, e nesta soma restou um olhar interrogativo.

Passaram verões, invernos e estações gerais, vieram feridas e cicatrizes, cortes leves que a manhã seguinte curou, cortes profundos que o cair da noite intensificou, sons providenciais e silêncios apavorantes. E passam os dias pelo vão dos dedos. Velozes dias, as horas não podem ser controladas e a impotência para mudar torna a angústia mais poderosa. Então vou para dentro de mim, me enxergar entre o turbilhão e a calmaria.

Agora estou numa igreja onde parece reinar a paz. Aqui as pessoas sentam-se comportadas, viram o rosto lentamente, murmuram orações com os dedos cruzados. Todos tão serenos ou só estão fazendo de conta? No interior delas, tempestades podem estar em formação ou prontas a irromper. Tiro o olhar dos outros e me concentro no altar, no homem cingido por Deus para ser o condutor das ovelhas unidas, perdidas e desgarradas.

Então, ele levanta os braços e com a voz transbordante de amor e fé, o representante divino, com procuração atualizada para me salvar, pelo menos é o que acho, diz palavras reconfortantes, animadoras. Meu envolvimento é tal que nos próximos segundos vou acreditar nas suas versões sobre harmonia terrena e salvação eterna. Mas logo começo a duvidar dele e da minha capacidade de entrar no seleto grupo da serenidade.

São muitas as portas e são muitas as dúvidas. Mas quero participar. De pé, mãos para cima, com os olhos fechados e a boca aberta entoando o refrão de um salmo, entro numa fase catártica e sinto que o meu corpo e alma estão sendo purificados.

O homem de Deus consegue me transportar para o campo das ovelhas unidas, daquelas que compreendem. Para a voz, para o cântico, ovelhas dispersando-se. E eu, desgarrado, de volta para a rua. Vêm as horas sem controle, a angústia comportada. Como será que a gente consegue a tal senha?

(Antonio Roberto de Paula - Texto publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 9 de março de 2008)

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Crianças, poesia e a caderneta

Dia desses fiz uma poesia para as crianças. Versos simples, saídos quase que por acaso. Muitas vezes escrevo e imagino alguém cantando ou declamando, enfim, pondo vida às letras inertes ordenadas no papel. A poesia virou música numa melodia que eu inventei naquele instante e, conforme cantarolava, fui perdendo o ritmo até me pegar declamando bem baixinho para ninguém escutar.

Fiz a pequena poesia na caderneta que ganhei uns dois anos atrás do Burzega. Aliás, a ideia da caderneta como brinde é genial. Demora acabar com ela. Enquanto isto, você vai carregando a caderneta Burzega – Image Achievement para baixo e para cima, escrevendo de tudo nela.

Pois bem, estava eu num dia desses de outubro, sentado num banco, esperando não lembro quem ou o quê, quando me pus a pensar nas crianças. Vejo crianças uniformizadas, dos 7 aos 10 anos quase todos os dias. Uma das maravilhas da vida é vê-las saindo da escola. Elas espalham alegria ao irromper o portão. Ficam quatro horas retidas e ao sair botam para fora todo o prazer de se ver livres. Correm, pulam, conversam alto, gritam...

Pensava eu nas crianças, lembrava do meu filho que já passou dos 20 anos. Eu o via pequeno, de uniforme, fazendo igual a esta molecada que entra em ebulição após o toque da sirene anunciando o final das aulas. Peguei a caneta e a caderneta e fui escrevendo sobre a vida delas, dos caminhos a percorrer. E pensava sem tristeza e escrevia com satisfação porque as crianças têm o direito a todas as alegrias possíveis.

Evitava pensar nas crianças que sofrem. Embarquei numa nau deixando os sonhos ruins no fundo do mar ou fiz com que eles se diluíssem na névoa. Para elas, criei um mundo com couraça contra a dor e acreditei na boa esperança. Desviei da crueldade, criei horizontes de paz para que elas pudessem sempre levar o sorriso puro. E o vento levava um canto feliz que chegava a todos os lugares.

Abri o sol muitas vezes para iluminar os corações dos homens. Depois vinha a lua testemunhar o adormecer dos pequenos. E a alegre viagem seguia sem fim. Eu era um anjo da guarda, guardando os caminhos e abrindo clareiras. Pensava em tantas crianças. Em tantos adultos também, naqueles que carregam pela vida o espírito delas, os tais eternas crianças.

Devido às limitações da veia poética, reduzi a fantasia a estes versos que estão lá na caderneta: Que faça bom tempo/Aqui, por aí e por lá/Relógio num passeio lento/Muitos sóis ainda a clarear/E a lua, luz, prata pura/Nas noites repletas e vãs/Outra parceira na aventura/Preparando novas manhãs.

(Antonio Roberto de Paula - Publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 28 de outubro de 2007)

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O papel na história

No final do ano passado, o amigo Rogério Recco me convidou para que escrevêssemos o livro sobre este O Diário, jornal que comemorou 35 anos no último dia 29. Depois de meses de pesquisas e entrevistas, o trabalho ficou pronto. Depois de folhearmos milhares de páginas, anotar, fotografar e conversar com muita gente, o livro foi publicado.

Ninguém sai incólume depois de mergulhar intensamente no passado, como fizemos. Por mais que se queira manter o providencial distanciamento para não se deixar influenciar por determinados episódios, não é possível ficar alheio. Também não é possível simplesmente esquecer e entrar em outro trabalho como se nada tivesse acontecido. Você sai fortalecido. E incomodado, querendo contar indefinidamente esta e outras histórias.

Para quem acompanha a vida desta cidade, desde que os jipes rodavam sobre a terra e depois sobre os paralelepípedos do centro, como é o nosso caso, escrever a história destas três décadas e meia de O Diário foi como fazer um retorno. O jornal viveu e vive esta pauta chamada Maringá.

O que fizemos foi entrar num imenso pomar e arrancar as frutas mais belas e saborosas. Se outros entrarem, certamente vão fazer escolhas diferentes porque gostos, emoções, experiências mudam de pessoa para pessoa. Procuramos agir com isenção na definição da retrospectiva, como de fato deve ser, mas o coração também teve sua parcela de participação. E é muito bom que seja assim.

O livro é o produto final e é gratificante ter ajudado a concebê-lo. Contudo, tão importante quanto à publicação foi a trilha percorrida para se chegar até ele. Enquanto montávamos essa linha do tempo escrita e fotografada pelo O Diário, pudemos perceber de forma cristalina as transformações da cidade, as mudanças no comportamento, os detalhes de cada época, as vitórias e os ocasos, a dinâmica do poder em todas as áreas. O Diário buscou ser espelho deste tempo, intérprete desta história e agente propagador da cidade.

Mais do que milhares de edições arquivadas, a história viva do jornal está nos depoimentos de Frank Silva, este intrépido rapaz que foi quebrando as pedras que encontrava no caminho até conseguir edificar um sonho, está na sua família, nos demais diretores, nos atuais e ex-funcionários.

Por meio do Frank, dos que estão na ativa e dos que passaram pelo O Diário, o Rogério e eu demos um divertido e inquietante passeio pelo passado. Cada personagem, à sua maneira, contribuiu para contar essa história. Uma história que vem sendo escrita em cada edição.

(Antonio Roberto de Paula - Texto publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 5 de julho de 2009)

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Os altos e baixos da vida

- E aquele serviço da pintura?
- Não deu certo. Tenho alergia.
- Tá brincando? Você tem alergia a tinta?
- Tenho, mas não fui no médico. Não sei se é a tinta ou outro material.
- Que maré este ano, hein?
- É, primeiro a firma faliu. Depois, levei balão do Inácio no negócio das capinhas de celular. Agora, a alergia...
- E o que você tá pensando em fazer?
- Pô, você quer saber tudo? Interrogatório agora?
- Desculpa. Só tava querendo ajudar.
- Desculpa eu, cara. É que tem dia que não é fácil.
- Comigo, a coisa tá clareando.
- Legal. Quitou o terreno?
- Quitadinho. Vou parcelar o material de construção. Devagar. Nem que eu leve um ano para terminar a obra.
- Enquanto isso a sogra te agüenta na casa dela...
- Ela gosta de mim. Dá a maior força. Diz que eu sou o filho que ela não teve. Gente boa tá aí.
- Sei, sei. E você vai ficando. Acertou na mulher e na sogra. Parabéns.
- Ela diz assim: “O Vadinho pode ficar aqui o tempo que quiser.” Aí a minha mulher fala: “Mas, mãe, a gente tem que ter o nosso cantinho!” Aí a sogrinha retruca: “Aqui tem espaço prum cantinho de nós três.” Então me esparramo no sofá e me divirto.
- Que forga, hein veio?
- É, mas não esquenta. Qualquer hora dessa você se acerta com uma mulher e um trampo bom. O que você tá pensando em fazer?
- Tô cansado de fazer bico. Tá pintando um negócio fixo.
- Qual?
- Promete não comentar com ninguém? Se começa a falar, acaba gorando.
- Prometo. Que trabalho é esse?
- Um primo meu tá vendo um serviço de segurança.
- O quê?
- É, segurança. Registro em carteira, hora extra e tudo mais. Segurança em casa noturna, shows, essas coisas.
- Você deve tá brincando...
- Não, não tô não. Por quê?
- Pô, cara, me desculpe falar, mas você não tem corpo nem tamanho pra segurança.
- Como não!! Tenho quase 1 metro e 70.
- Fala a verdade.
- Tá, 1 metro e 62. Mas acho que sou um cara forte. E pra ficar mais alto tem uns sapatos com a sola grossa, dá um ganho de uns 5 centímetros.
- Não tô querendo te desanimar, mas acho que você não vai conseguir este emprego.
- Você acha mesmo?
- Acho. Neste serviço você precisa se impor. E com este físico, se der confusão, você vai ser o primeiro a correr.
- Putz, eu tava tão animado, já me imaginando de terno preto, camisa preta, gravata preta, barba feita, gel no cabelo...
- Vou chegar aí, Adão. Abração.
- Vai com Deus, gigante. Sortudo de uma figa. O cara tem sorte com mulher, sogra e serviço. E quase 2 metros de altura. Vou comprar um sapato daqueles, igual ao do Zezé di Camargo, fazer um curso, ver umas roupas, musculação, ir pra noite, conhecer umas minas... Pintor de rodapé o cacete!

(Antonio Roberto de Paula - Texto publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 20 de janeiro de 2008)