As músicas compõem a partitura da minha vida. Diariamente, ainda que por alguns minutos, tenho que ouvir alguém cantando ou tocando um instrumento. O lado bom da minha quase ignorância musical é que me permito ouvir praticamente tudo sem nenhum pudor.
Para a maioria dos meus consangüíneos e dos mais próximos tenho uma música própria, duas, até mesmo um repertório completo. Como cada pessoa e cada música têm personalidades próprias, faço o casamento de ambas e as levo por aí.
Já para fazer os estribilhos dos meus dias, - e olha que são consideráveis janeiros -, me apossei de algumas músicas e fico enciumado quando alguém quer compartilhar, quer se associar comigo no gosto por uma delas. São exclusivas, penso que são exclusivas, porque elas se tornaram a minha eterna ligação com determinada pessoa, fato e época.
Essas músicas convivem harmoniosamente comigo. Eu as chamo de acordo com o meu estado de espírito. Mas trago outras canções sem saber exatamente a razão. São trechos, refrões, fragmentos. Às vezes, sem me dar conta, começo a assobiar ou cantarolar músicas de cantores e bandas que há muito deixaram de fazer sucesso ou já encerraram suas atividades terrenas.
E estas canções, algumas quase desconhecidas que inconscientemente as tornei inesquecíveis, surgindo avassaladoramente do nada, também trazem com elas pessoas e acontecimentos. Uma gente que na maioria das vezes pouco representou na minha vida e os fatos associados eu não os catalogo como marcantes. Ou não seria o contrário? Será que nesta minha infernal engrenagem eu fechei alguns acessos e quis que essas pessoas e suas histórias tivessem pouca ou nenhuma importância?
Detalhes assustadores vêm à mente quando me lembro de certos acordes ou quando ouço algum vinil ou CD requentado de artista ex-famoso. Alguma senha é ativada e libera a passagem. Então, posso sorrir ou sofrer novamente com variações de intensidade. Os sons irrompem dando sinal para me transportar por ambientes que eu julgava dizimados pelo tempo. Tempo, esse tirano inexorável que coloca a nós todos, feliz ou infelizmente, em pé de igualdade. Ou, mais dia menos dia, deitados em igualdade.
No fim das contas, a música nada mais é do que um eficaz exercício para a memória, fazendo liberar nossos adormecidos anjos e feras, na contínua interação com o presente e outros períodos. São melodias para relacionar com gente que está do nosso lado, que está longe e que já se foi. E na soma de ritmos, de arranjos, vozes e instrumentos, vou compondo a minha muito particular trilha sonora e ao mesmo tempo participando de outras.
(Publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 04/03/07)
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