segunda-feira, 22 de junho de 2009

Sem tempo para amanhã

Lula voa. Na última imagem dele na mídia, apareceu vestido com um casaco típico do Cazaquistão. Daqui uns dias, o presidente aparece no Alasca trajado de esquimó com aquele sorriso “eu sou o cara”, feito selo comemorativo dos 80% de popularidade.
Roberto Carlos canta pelo Brasil festejando seus 50 anos de carreira embalando corações. Se chorou ou se sorriu, o importante é que emoções o Rei viveu.
O Rio quer sediar a Olimpíada de 2016. O Rio de Janeiro continua lindo e seus governantes vão à Suíça defender a candidatura da cidade. E os projetos sociais agonizam.
A criminalidade transpassa o corpo da Cidade Maravilhosa, atinge os órgãos vitais e faz do coração placa de tiro ao alvo. Cheia de enganos mil, coração do Brasil.
Ronaldo Fenômeno, o obeso carismático, faz história no Timão para o deleite do bando de loucos e o olhar atravessado dos outros bandos que acharam que ele era mais uma piada pronta de corintiano.
Os telejornais dão as notícias. As mesmas e com o mesmo estilo. É preciso dar voz ao personagem, pôr emoção no vídeo, amarrar uma história em um minuto ou dois e chamar o comercial.
O planeta inova todo dia sem sair do lugar. O mundo passa na tevê e amanhã começa tudo de novo. Todos os continentes mostrando a cara no toque do controle remoto. Os povos em desfile no retângulo da televisão. O céu é dos aviões. Os homens seguem. Com ou sem turbulência. O Atlântico é só um detalhe e a tragédia é um dado a mais na história.
Padre Marcelo Rossi parece que parou de declamar durante as músicas. Agora, a Igreja Católica ataca, perdão, agrega com o Padre Fábio de Melo, que mostra voz afinada e guarda-roupa de modelo. E Aline Barros expande suas belas canções além dos templos evangélicos. O mundo canta de tudo e, graças a Deus, há espaço para Deus.
A violência está nas esquinas, no asfalto e nas casas. Milênio sangrento amparado no destemor, na intolerância e na descrença. Os líderes mundiais se reúnem em grandes e iluminados salões. A paz está na pauta, mas longe das mentes, que preferem comandar outros interesses. Os corações do bem tentam equilibrar o mundo.
Os hospitais estão lotados, filas moribundas se arrastam, os políticos continuam dando de ombros. O STF jogou no lixo o meu diploma de jornalista. Será que a Gisele Bundchen está grávida? Dilma e Serra monopolizam.
A gripe suína, as pragas gerais. As drogas de todos os tipos e teores viciando a humanidade, a Amazônia está virando pasto, a internet deixou o mundo na palma da mão. A vida passa. Tudo em tempo real. Sem amanhã. E a gente vai se equilibrando.

(Antonio Roberto de Paula - Texto publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 21 de junho de 2009)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O mundo é um outdoor

Os outdoors me perseguem, me cobram e querem me deixar em baixo-estima. Impossível passar indiferente por aquelas enormes placas que anunciam de tudo: jeans, camisas, ternos, cama, mesa e banho, carros, shows, perfumes, eletroeletrônicos, computadores, motéis, advogados, cursos, relógios, excursões, celulares, operadoras, calçados, lojas e shoppings... Ofertas, promoções, descontos, prazos, sorteios, cheques pré...

Os outdoors mudam de cara toda semana. Novas marcas e tipos surgem nos retângulos espalhados na zona central e nas entradas da cidade. O Novo Centro de Maringá se tornou o oásis dos outdoors. Enquanto não se completam as construções daquela nobríssima área, os terrenos vagos vão sendo ocupados pelas gigantes propagandas.

Entre as que se destacam, que há algum tempo não é reformado, para a alegria geral masculina, é a do anúncio de uma empresa de lingerie. Uma mulher de calcinha e sutiã tomando todo o espaço. Um democrático espaço de visualização, pois enquanto as mulheres analisam as peças, a gente analisa como as peças ficam na moça.

Voltando aos outdoors mutáveis. Quanto mais olho para eles, mais eu me sinto fora do que está contextualizado ou do que é proposto a ser. Olho para a marca e o estilo do meu relógio e não são aqueles em exposição. Gosto de sapatos, talvez a única extravagância que faço na vida é comprá-los além do que permite minhas irrisórias posses.

Mas nos outdoors não vejo nenhum modelo parecido com meus pares. Não consigo acompanhar as tendências. Olho para os que estou calçando e percebo uma defasagem de pelo menos uns três anos.

Nada demais. É só seguir que logo a próxima propaganda vai fazer com que eu me esqueça desta. Vem mais uma cobrança. “Você tem que ser mais e melhor”. Recebo o aviso. Melhor: assimilo o golpe. O bom de ter uma certa idade é que você não veste todas as carapuças que lhe oferecem. Se eu não fizer o tal curso, não dirigir o tal carro e não viajar para tal lugar, minha vida vai seguir. Então, que ela siga sem eles. Mas, convenhamos, dá uma vontade de fazer o tal curso, dirigir o tal carro e viajar para tal lugar. Ah, isso dá.

É o poder da propaganda, que tem a precípua função de nos informar que a gente pode ter acesso ao mundo dos felizes, belos, simpáticos, saudáveis e bem sucedidos seres. Mas que, por mais que se esforce, você nunca vai estar inteiramente dentro. Sempre faltará algo. Então, lancemos mão da reconfortante frase do francês George-Louis Leclerc, o Conde de Buffon (1707-1788): “O estilo é o próprio homem”.

(Antonio Roberto de Paula - publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 26 de agosto de 2007)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Aqueles quintais e pomares

Lamento que estas crianças que vejo agora, correndo felizes e por este parquinho de brinquedos sem graça não tenham a oportunidade de subir numa goiabeira, num pé de abacate ou de manga. Acho que nunca vão ter.

Os quintais da minha infância sempre foram enormes. Se os visse agora seriam bem menores do que o meu olhar infantil. Reparou que quando a gente era criança tudo parecia grande? Móveis, objetos, o pai e a mãe, ruas, calçadas, carros, árvores e quintais.

O olhar de um garoto fica um pouco acima do nível de uma mesa e da cintura dos pais, na altura das mãos que afagam e também das que puxam a orelha. Para ele, são sempre altos os muros e as grades, as pessoas, os animais e as casas, longos caminhos.


As árvores eram gigantes. Bom era subir numa mangueira, a melhor das árvores, nem tanto pelo fruto, mais pelos galhos fortes, bem distribuídos e sem espinhos. E no alto, um ótimo esconderijo. Quanto à goiabeira, seus galhos são finos e resistentes, mas em dias de chuva convém não arriscar, pois ficam lisos feitos sabonete. Os abacateiros, de tão fáceis de subir, até as meninas conseguiam.

Eram extensos os quintais, nada de cimento. Terra batida do começo até o fundo com muitas árvores. Verdadeiros pomares. Pés de manga, abacate, goiaba, jabuticaba, laranja e pêssego. As frutas quase não tinham tempo de amadurecer porque moleque não tem tempo a perder. Comer fruta verde com sal até que era bom. No terrão, a bola suja com a câmara de ar à mostra rolava sem parar, chutada por meninos apressados que não sabiam o que era cansaço.

Os quintais não tinham divisões. A gente atravessava de um para outro e ninguém proibia. Agora, puxando o fio das reminiscências, do lado de fora daquele mundo, percebo que a gente fazia parte de uma numerosa família com várias casas e um só quintal. Moleques de todas as caras e cores com a imperativa missão de se divertir. As árvores eram eternas assim como aqueles moleques, os nossos pais, os outros pais, nossos irmãos...
As árvores não seriam derrubadas, os quintais não seriam invadidos pelo concreto, nossos pais ficariam a vida inteira afagando nossos cabelos e puxando nossa orelha, nossos amigos, num átimo, subiriam na alta goiabeira, nossos irmãos ficariam na mesma casa de sempre e a gente não perderia aquele brilho que estampava curiosidade em cada olhar.
Estas crianças que vejo agora, correndo felizes, suadas e coradas no parquinho, iam gostar muito de pôr o pé na terra, tomar chuva e subir em árvores. Os filhos delas, quem sabe, vão poder.Basta não esquecer como era.

(Antonio Roberto de Paula - texto publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 12 de agosto de 2007)

segunda-feira, 1 de junho de 2009

O coletor de histórias

No seu jeito dissimulado, acho que querendo esconder, mas sem conseguir, uma grandiosa timidez, Reginaldo Benedito Dias chega trazendo o seu novo livro “Da arte de votar e ser votado”.

Sempre preparado para todas as discussões possíveis, mantendo o nível, o tom pausado, mas com a verve proporcional à crença no que diz, fruto da confiança adquirida pelo que ouviu, viu e pesquisou, Reginaldo Benedito Dias chega para, novamente, distribuir casos e causos.

Ele chega sempre sem muito alarde. As portas vão se abrindo naturalmente. Como existe a figura do “espalha roda”, existe gente como este professor-doutor-escritor que agrupa, soma, junta rodas dos mais variados matizes.

Reginaldo desperta nas pessoas a necessidade de falar, de debater intrincadas questões políticas e históricas ou prosaicos acontecimentos do dia-a-dia. Entre os alunos, os companheiros de partido, os colegas de outras siglas e os amigos de uma roda de bar, esse professor está sempre pronto para comentar o que vier a ser o tema.

Então, entram neste desfile o desempenho do Fenômeno no Corinthians, as conquistas e derrocadas petistas, o cotidiano da cidade, músicas, filmes, livros, as piadas oras sutis ora sem a mínima graça. E volta e meia inserindo comentários sobre sua maior riqueza: a filhinha.

Um escritor acima das ideologias, que sabe a importância de destinar o devido valor na história a quem merece, independente do posicionamento político ou partidário. Foi assim que Reginaldo Benedito Dias conquistou a credibilidade nas publicações.

Dias chega com seu livro sobre a política de Maringá para marcar mais um ponto na história da cidade. Ele é o escrevinhador do eterno resgate, o que vive a buscar acontecimentos, tirando-os de tantas memórias para juntá-las numa publicação. Focando os mais variados episódios que construíram e constroem a vida política da Cidade Canção, ele joga luz sobre as personalidades com a devida participação de cada um no processo histórico.

Ao mesmo tempo em que clareia estes caminhos de mais de 60 anos, possibilitando que os jovens saibam como ocorreu a formação do Município, faz com que os maringaenses de décadas aflorem suas lembranças, exercitem suas saudades e se sintam, de alguma forma, partícipes desta construção.

Ao juntá-las numa obra séria, organizada e criativa, Reginaldo pereniza as ocorrências e homenageia seus autores. Pela paixão à cidade e pelo prazer em pesquisar, o trabalho deste coletor de histórias não tem fim. A cidade vai fazendo história e ele vive a persegui-la com seu olhar.

(Antonio Roberto de Paula - Texto publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 31 de maio de 2009)