sexta-feira, 18 de abril de 2008

Horas velozes

Não posso perder tempo. Tenho que ir ao banco, à banca, à loja e ao mercado. Tenho que pagar contas, ir ao posto de gasolina, tomar um refrigerante light e estacionar num lugar sem flanelinhas.

Tenho que levantar os olhos para ver as belas palmeiras da avenida Paraná, estes prédios cobrindo o sol e olhar ainda mais para cima para enxergar esta cruz que parece colada ao céu.

Tenho que andar na faixa de segurança, mas não confiar que os motoristas vão tirar o pé. Tenho que tomar cuidado com os carros que saem das avenidas Herval, Duque de Caxias e São Paulo e viram à direita na Brasil.

Tenho que enxugar este suor, parar na calçada e observar esse povo que caminha para todos os lados. Pessoas em geral, gente genuína. Minha matéria prima. No volante, tenho que esperar o último gomo vermelho desaparecer para prosseguir, mas tenho que prestar atenção no pedestre que acha que a faixa é só dele mesmo o semáforo estando aberto para os veículos. Tenho que ter paciência no cruzamento da São Paulo com a Horácio Raccanello e cair fora da Colombo no início da noite.

Não posso perder tempo. Tenho que falar ao telefone, perder peso, engraxar os sapatos, lembrar de datas importantes, cumprimentar quem eu conheço e, por educação, fazer um sinal com a cabeça para quem eu nunca vi mais gordo ou magro. Tenho que comer frutas e folhas, beber água e fazer exercícios. Tenho que caminhar no Parque do Ingá, Bosque 2 e em qualquer lugar que tenha uma pista onde não corro o risco de ser atropelado.

Tenho que ouvir músicas, ler jornal, ver TV, acessar internet, abrir e responder e-mails, ir ao cinema e à locadora de filmes, visitar e receber visitas, passear para não muito longe, não ficar até muito tarde para não cansar e não ficar cansado. Tenho que dormir bem, sonhar muito e cumprir pelo menos dez por cento destes sonhos.

Tenho que amar bem mais, rezar bem mais, enraivecer bem menos, terminar de ler dois livros, escrever tanta coisa, esquecer outras tantas, manter a calma, pedir perdões, conversar mais com quem está de escanteio e desfocar quem dá aulas particulares para Deus. Tenho que ver os amigos pelo menos duas vezes por semana, beber cerveja gelada, comer queijo com azeite e orégano, rir até do que é sem graça e apreciar o céu alaranjado no fim de tarde que, de onde o avisto, parece que vai descer no Fim da Picada. Os carros passam voando na avenida Itororó em direção à zona sul. As horas voam, a noite é fugaz e a manhã chega fazendo cobranças. Não posso perder tempo.

Publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 13/04/08

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