E durante uma terrível crise de idéias, criatividade, posicionamentos e identidade, ele desligou todos os sensores. Sentado no banco da praça, onde a grama e as árvores vicejavam, olhando as pessoas que ziguezagueavam preocupadas, compôs estes versos que lhe serviram para colocar numa destas melodias que nunca tocam nas rádios e se ouve numa madrugada de insônia:
“Cante aquele verso que embalava nossa adolescência, declame aquela trova que elevava nossos corações, transporte-nos aos campos juvenis, onde a tristeza não vai nos atingir.
Fabrique metáforas para ocupar nossos desvarios, ilumine esta estrada ilusória, diga que o sofrer foi varrido do nosso meio e do nosso tempo e risque do mapa o porto do futuro. Assim sobrevivo ou me curo.
Ajude-me a desviar dos males, beba comigo nas rodas dos bares, ensina-me a ser livre ou de subterfúgios vamos encontrar nossos lugares. A negritude do céu se amplia na robotização humana. A idéia é passar o tempo ou torná-lo mais ameno, tendo a
vontade tirana de viver, pelo menos. Assim me absolvo ou me condeno.
Converse na língua abstrata para que só nós possamos compreender, desligue a técnica cerebral e ative a intuição animal. O mal que a boca retrata, o bem travado na garganta. Enquanto presas as palavras castas, as serpentes soltas encantam. Tantas. Assim me entrego ou me garanto.
Conserve os olhos ou recupere os que ficaram no tempo, enfraquecidos diante da dureza dos dias. Abrir a porta, a atitude temerária. A contenda importa, mas não é necessária. Assim me fecho ou vou à luta. Faço poesia para desligar, despejo palavras sobrepostas para encontrar as respostas e flexiono verbos para exercitar sentimentos. Terapia salutar, repondo energias para continuar.”
Livro Da minha janela, publicado em 2003
Nenhum comentário:
Postar um comentário