segunda-feira, 26 de maio de 2008

Os bichos de estimação


Aqui, da minha janela, entre a mesmice do vai-e-vem dos carros, da gradativa invasão do concreto, da uniformidade das árvores e do interessante passeio dos humanos, continuo na observação.
Estou precisando aumentar o grau dos meus óculos e o cérebro já não está tão treinado para processar certas situações. Algo está sempre me escapando das retinas e para determinados fatos não estou dando a devida importância. Não sei se estou cansado ou seletivo. Ou o cansaço é que está me tornando seletivo?
O que outrora era impactante hoje não passa de um leve comentário. O que era difícil de assimilar agora é insignificante. Quase sem querer, faço uma triagem dos acontecimentos. Guardo o que me interessa por uns tempos. Aos poucos vou deixando para trás. Mas alguns episódios há muito estão comigo. Bons e maus.
São bichos de estimação que não consigo abandoná-los. É preciso conviver com eles, mantendo submersos os que querem ferir e trazendo à tona os que fazem bem para a alma. O tempo está passando depressa.
Tão depressa que o meu olhar se perde neste particular campo de visão. Ainda estou olhando para um movimento à direita e logo surge outro. Viro o pescoço e não consigo acompanhar. Mas não são intensas a necessidade e a expectativa de apreender tudo que está à minha volta. Nem sempre foi assim.
Neste mês, o meu amigo Mário Sérgio fez 50 anos. Até pouco tempo, a gente estava no Colégio Gastão Vidigal fazendo de conta que nossos 17 anos seriam eternos. Com o Nivaldo, o Edson, o Edsinho, o João Batista e o Miguel fabricamos sonhos e corremos atrás deles. Continuamos a correr, não com a velocidade de três décadas e meia atrás, mas estamos na pista.
Sob o sol ou à sombra de Maringá ou de outra cidade, essa turma vai contando sua história. Os inevitáveis sobressaltos, os sacolejantes períodos e as lágrimas pontuais não impedem que façamos uma bela história.
Esse capítulo adolescente é um dos que ficam guardados confortavelmente. É um dos bons bichos de estimação que volta e meia vem me visitar, que faz com que eu cante um parabéns cinqüentenário a um caro amigo como se brindasse a um tempo feliz que ficou emoldurado nos anos de 1970.
Porém, é mais do que isso: é um brinde a esse tempo, uma celebração ao agora. Mesmo que não seja possível se surpreender tanto, ainda que as novidades não causem tanta admiração e a previsibilidade seja constante, continuo observando e armazenando. Daqui a pouco vou falar deste tempo e fazer brindes octogenários. Quem viver verá.
Publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 25/05/08
Foto: De Paula com os amigos Miguel, Edson, Nivaldo e Mário Sérgio

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