quarta-feira, 1 de julho de 2009

Os altos e baixos da vida

- E aquele serviço da pintura?
- Não deu certo. Tenho alergia.
- Tá brincando? Você tem alergia a tinta?
- Tenho, mas não fui no médico. Não sei se é a tinta ou outro material.
- Que maré este ano, hein?
- É, primeiro a firma faliu. Depois, levei balão do Inácio no negócio das capinhas de celular. Agora, a alergia...
- E o que você tá pensando em fazer?
- Pô, você quer saber tudo? Interrogatório agora?
- Desculpa. Só tava querendo ajudar.
- Desculpa eu, cara. É que tem dia que não é fácil.
- Comigo, a coisa tá clareando.
- Legal. Quitou o terreno?
- Quitadinho. Vou parcelar o material de construção. Devagar. Nem que eu leve um ano para terminar a obra.
- Enquanto isso a sogra te agüenta na casa dela...
- Ela gosta de mim. Dá a maior força. Diz que eu sou o filho que ela não teve. Gente boa tá aí.
- Sei, sei. E você vai ficando. Acertou na mulher e na sogra. Parabéns.
- Ela diz assim: “O Vadinho pode ficar aqui o tempo que quiser.” Aí a minha mulher fala: “Mas, mãe, a gente tem que ter o nosso cantinho!” Aí a sogrinha retruca: “Aqui tem espaço prum cantinho de nós três.” Então me esparramo no sofá e me divirto.
- Que forga, hein veio?
- É, mas não esquenta. Qualquer hora dessa você se acerta com uma mulher e um trampo bom. O que você tá pensando em fazer?
- Tô cansado de fazer bico. Tá pintando um negócio fixo.
- Qual?
- Promete não comentar com ninguém? Se começa a falar, acaba gorando.
- Prometo. Que trabalho é esse?
- Um primo meu tá vendo um serviço de segurança.
- O quê?
- É, segurança. Registro em carteira, hora extra e tudo mais. Segurança em casa noturna, shows, essas coisas.
- Você deve tá brincando...
- Não, não tô não. Por quê?
- Pô, cara, me desculpe falar, mas você não tem corpo nem tamanho pra segurança.
- Como não!! Tenho quase 1 metro e 70.
- Fala a verdade.
- Tá, 1 metro e 62. Mas acho que sou um cara forte. E pra ficar mais alto tem uns sapatos com a sola grossa, dá um ganho de uns 5 centímetros.
- Não tô querendo te desanimar, mas acho que você não vai conseguir este emprego.
- Você acha mesmo?
- Acho. Neste serviço você precisa se impor. E com este físico, se der confusão, você vai ser o primeiro a correr.
- Putz, eu tava tão animado, já me imaginando de terno preto, camisa preta, gravata preta, barba feita, gel no cabelo...
- Vou chegar aí, Adão. Abração.
- Vai com Deus, gigante. Sortudo de uma figa. O cara tem sorte com mulher, sogra e serviço. E quase 2 metros de altura. Vou comprar um sapato daqueles, igual ao do Zezé di Camargo, fazer um curso, ver umas roupas, musculação, ir pra noite, conhecer umas minas... Pintor de rodapé o cacete!

(Antonio Roberto de Paula - Texto publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 20 de janeiro de 2008)

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