quarta-feira, 29 de abril de 2009

9 horas da manhã

Ela só queria ser feliz. Aqui mesmo, na sua cidade, no seu bairro, na sua rua, com sua gente. Queria ser feliz com seu homem e seus filhos, com seu trabalho, suas prosaicas preocupações diárias e seus alegres finais de semana. Queria andar pelas calçadas, descansar à sombra de uma mangueira, ouvir cantos suaves, conversar sem pressa, viver sem pressa. Queria ficar na banda de cá sem grandes sobressaltos. Amava a vida como se não existissem outras e como se esta fosse para sempre.

A espreguiçadeira na varanda, o pequeno jardim, as abelhas fazendo círculos nas flores e o sol quente das 9 da manhã era só o que ela queira. Ela queria o fim do dia, a dança dos galhos, as folhas que voam e as que repousam mudando de cor, as luzes pontilhando na longa e serena rua, demarcando a felicidade. Nas casinhas uniformes, a feliz repartição. Ela queria se completar nesse pequeno mundo, ter todos os amanhãs que pudesse.

A parte que lhe cabia desta felicidade era fácil de encontrar. Estava na horta no fundo da casa, nos pés de manga e de abacate e no caminho de tijolos pelo quintal. Queria um caminho leve, com chuvas inesperadas, vôos rasantes de passarinhos e um sorriso para cada bom-dia. Frutas caindo de maduras, verdes de todos os tons surgindo das hortaliças, o doce cão de econômicos latidos e o azulão do céu de nuvens brancas. Era só isso. Queria as imagens, os sons e os cheiros das estações. Que se perpetuasse assim porque mais ela não queria.

Ela foi menina de escola, de roupa azul e branca, céu e pureza, risos e brincadeiras, alegria e inocência. Foi moça sonhadora, de enxoval e aliança. Foi mulher como tinha que ser e mãe como amava ser. Levou os sonhos pelas estradas do tempo e, mesmo quando o céu se tornava negro, ela os mantinha intactos. O azul e o algodão sempre vão aparecer, pensava. E era o que acontecia.

Vez ou outra, debruçada no beiral da janela, enxergava todos os sonhos na linha do horizonte. Contava histórias só para si, deixando invioláveis e a salvo tantos momentos. Ria com satisfação, feito aquela menina da escola. Tranqüila, passeava no seu mundo, apreciando cada segundo. Mantinha a serenidade como se soubesse o caminho exato, como aquele de tijolos no quintal.

Numa manhã, por volta das 9 horas, da espreguiçadeira levantou os olhos pela última vez. Via tudo o que queria na linha do horizonte. Virou para o lado. Viu o pequeno jardim, as abelhas girando, os tijolos a perder de vista. Cerrou os olhos. Ela só queria ser feliz. E foi.

(Antonio Roberto de Paula - publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 18 de maio de 2008)

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