sexta-feira, 29 de maio de 2009

Enquanto ela espera

Ela canta um canto baixo. Ou melhor, cantarola. É uma canção romântica antiga, um sucesso americano que ela não sabe o significado. Sabe que é triste. Triste como esta noite, como a rua lá embaixo, as cabecinhas que vêm e vão. Na sacada, no alto de oito andares, o céu negro, o cantarolar triste, o corpo lento e o copo vazio.

O verbo esperar é pesado, longo e cansativo. Esperar é abrir mão, os braços e o coração. É o que ela faz. Ela e o relógio se arrastam parados, fechados, sintonizados em ponteiros lentos. O silêncio é cortado, chega e sai de acordo com os motores. O som, no entanto, não sobe forte.
Os carros, pontos luminosos invadindo o breu da noite, transportando solidão ou tentando dela fugir. E ela espera. Descalça, mais líquido no copo e a desistência de cantar. Agora, a mente é vazia. Tudo o que o dia impôs se perdeu nesta noite. A concentração é quase total na espera.
Não há profundidade na visão. As edificações não permitem. Só janelas uniformes. Mundos quadriculados. Janelas abertas, cobertas e fechadas. Vidas expostas e secretas. Intimidades compartilhadas com anônimos donos de outras janelas ou aberturas sem função, sem vida.

Da sua janela, ela se pergunta se alguém a vê, se alguém se interessa em vê-la. Dá um sorriso, quase malicioso, e chega a fazer menção de expor uma parte do corpo. A idéia lhe faz bem, sente-se viva, mas não sai do lugar. Esperar o que não se pode ou não se deve mais esperar é a dor maior.

Quando é aberto um campo de expectativa, nele se percorre, dá voltas e qualquer sinal revitaliza. Quando não existe o campo, se comprime, se contorce e a dor transpassa todos os sentimentos. Quem espera faz uma busca sôfrega por quaisquer que sejam as dúvidas. Entre elas pode estar a certeza da vinda.

Ela não sabe como é a sua espera. Por isso volta a cantar. Um canto novamente baixo, que é dor, lamento, socorro, pedido, disfarce. É a soma de tudo que forma a espera. Deram o nome de amor, pensa ela, a isso que consome, preenche, esvazia, que revira, mistura, alegra, dói... Amor é bem mais do que o nome inventado para resumi-lo.
O relógio, parceiro cruel, acumula a espera. A noite vai se acomodando. Quase tudo dorme. O copo na mesa, o corpo deitado numa cama grande demais, as luzes apagadas, buzinas distantes. Agora, seu sono é solto, sonha como aquela gente feliz nas janelas. E ela, acompanhada, também feliz na sacada. Então, a chave gira no tambor. Em todas as vidas que ela viver, sempre vai acordar ao ouvir este som. Agora, é o real fim da espera.

(Antonio Roberto de Paula - Texto publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, dia 11 de novembro de 2007)

Um comentário:

Paulo C M Fernandes disse...

Escrever requer, realmente, sensibilidade. Você prova isso. Parabéns.

Passei por aqui por acaso.
Há uns 7 blogs atrás procurava por informações do jornalista do extinto Última Hora do Rio: Jésus Rocha. Coisas pessoais, sabe como é, essa internet é louca, quando vamos ver já estamos em sítios longínquos.

Continue com sua luta.