terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Sempre um garoto



Meus 16 há muito ficaram para trás. Minha inocência o vento levou pouco a pouco. Sobraram os restos. Fotografias sustentam o passado. Músicas acionam recordações.
No salão vazio, danço com a imaginária morena de branco que faz 15 anos. Revejo amigos, as vozes familiares, as risadas. Agora sou um garoto que anda despreocupado chutando latas numa rua sem fim. Meus amigos estão comigo e nossos corpos jamais vão envelhecer.
O dia é noite e vice-versa. O sonho é real e o contrário também vale. Este dia não acaba nunca e o sonho é repartido. Nosso uniforme nos faz iguais. Azul e branco duradouros. Faço um gol. A bola veio à meia altura. Na altura exata da imaginação.
Bati de primeira e a primeira coisa que fiz foi pular feito um doido e depois correr. Um animal livre de celas e amarras comemorando mais do que o gol: o instante da eterna alegria.
Tenho fibra e físico, coração e razão, força para vencer qualquer goleiro. Um caderninho espiral com garranchos dispostos quase organizadamente me transporta. Estou de novo brigando com as proparoxítonas. Posso ver nitidamente as letras que formam o logotipo da escola no bolso esquerdo da minha camisa.
Não resolvo os meandros da língua, mas estou feliz. Estou contextualizado neste lugar e isto é o que importa. Meus cabelos são longos e lisa é a minha pele. Braços e pernas fortes. O enigma ainda não se apossou de meu sorriso. O medo existe, mas fica comportado no seu canto sem interferir nas ações.
Não temo o perigo. Tenho projetos. Resolvo minha vida num estalo e sofro de forma avassaladora. Esparramo minha dor por alguns segundos, porque sofrer é necessário, e logo em seguida destino risos para todos os lados, porque é vital. Sou volúvel porque assim é que tem que ser. Sou o garoto apaixonado pela vida que não quer cronologia.
Tem que ser assim. Meus 16 há muito ficaram para trás. Minha inocência se esvaiu. Tenho fibra e físico, coração e razão, mas não sei se tenho forças para vencer qualquer goleiro. O medo virou comparsa. Já não resolvo minha vida e já não sofro tanto. Mas, continuo sendo um garoto apaixonado pela vida. Porque assim é que tem que ser.
(Do livro Da minha janela, publicado em 2003)

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