Olhar assustado. Guarda-pó novo e branquíssimo. Mamãe caprichou. Completando a indumentária, o par de botinas e a calça curta de brim. Devidamente uniformizados, os cerca de trinta pirralhos aguardavam ansiosos a chegada da professora. Muitos ali já se conheciam e por isso as duplas, para ocupar as carteiras de dois lugares, iam sendo formadas naturalmente.
Do meu lado ficou o Zé Antonio, craque de bola, salva, estilingue e tudo o que exigisse preparo físico e pontaria. Menino ao lado de menina nem pensar. No início dos anos 60, a timidez era das maiores e não havia o incentivo das escolas para esta integração. A dona Mariinha, bela e loura no frescor de seus 20 anos, entrou na sala e aquelas três dezenas de cabecinhas se viraram.
Todos ficaram em pé. Esta reverência fazia parte dos costumes. A primeira professora de nossas vidas acabava de chegar. Não havia os prezinhos e por isso aquele dia se tornou um acontecimento. As imagens são nebulosas sobre o que aconteceu nas quatro horas seguintes daquela manhã e durante aquele 1964.
A dona Mariinha, assim que tínhamos de chamá-la e não de tia, como faz a garotada de hoje, era muito tranqüila, mas sabia ser enérgica. Realmente, ela nasceu para ensinar. A primeira professora é difícil esquecer. Aquela mulher que nos colocou um lápis entre os dedos, a mão sobre a mão da gente, nos levando a fazer contornos na primeira página dos nossos cadernos, nos encaminhando para o conhecimento.
A mestra, que com extensa régua apontando para o quadro negro, puxando a melodia do beabá, nos abrindo os canais do entendimento, ficará sempre na memória. Escolhi a dona Mariinha para homenagear a todos os que labutam no ofício de ensinar, os que fazem desta honrada profissão um sacerdócio. Perdi todo o contato com aquela turma do primeiro ano primário e nem sei por onde anda aquela professorinha. As felizes lembranças daqueles dias, contudo, não se apagam.
(Livro Da minha janela, publicado em 2003)
Um comentário:
E salvem as professorinhas...rs. Eu não me lembro do nome da minha primeira professora. Acho que vou perguntar pra minha mãe qdo ela vier aqui. Muito bom relembrar né?
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