O mineiro de Alfenas, José Aparecido Borges, chegou de trem em Maringá logo no início da década de 1960. Havia saído do seminário depois de concluir o curso científico, o ensino médio de hoje. Arranjou emprego rapidamente na cidade, na secretaria do Curso Pernambucano, onde havia aulas de datilografia e ensino primário, o 1º grau.
Nilton Pereira era repórter da Folha e um dos professores do Curso Pernambucano, em 1962. O jornal havia sido inaugurado em setembro daquele ano e eram muitas as dificuldades para se encontrar pessoas qualificadas para trabalhar na redação.
Nilton convidou Borges para trabalhar como revisor da Folha. E ele foi. Mesmo acostumado com a hierarquia eclesiástica, ele se surpreendia com a reverência dos funcionários da Folha quando dom Jaime aparecia. Ele compara a um evento quase solene. Fora isso, não havia surpresas.
Borges era a pessoa talhada para o posto. Calmo, estudioso e atento, ele evitou que muitos “ratões”, termo que se usa nas redações quando ocorrem erros crassos, fossem publicados.
“Os erros maiores eram de datilografia, troca de letras e também linhas trocadas. Na medida que a linotipo fazia a notícia, muitas vezes trocava a linha. Eu penso que os erros ortográficos daquela época eram relativamente iguais aos de hoje. Talvez naquela época havia um rigor neste sentido. Na Folha, era muito rigoroso, mas mesmo assim, esporadicamente, saíam alguns erros.”
Naquela época, a figura do revisor era indispensável na redação. Mesmo o computador, em que a correção é feita imediatamente, não impede que erros injustificáveis ocorram até em títulos e não apenas em jornais do interior.
A história de Borges é exemplar para mostrar que não são todas as pessoas que ganham a oportunidade para trabalhar numa redação de jornal e que possuem qualificação suficiente para ser um bom redator continuam na profissão.
Borges tinha a técnica, um ótimo conhecimento da língua portuguesa, mas não tinha vocação para ser jornalista. A sua timidez fazia com que se isolasse no seu canto e pouco contato tinha com os repórteres, já que seu serviço começava quando terminava o da redação.
Não foi apenas revisor na Folha. Sua cultura, que hoje inclui amplo conhecimento do latim e grego, línguas que estudou por cerca de sete anos, fazia com que redigisse notinhas para colunas e palavras cruzadas, estas geralmente publicadas aos domingos.
Como não havia faculdade em Maringá naquele início de década, o estudioso Borges decidiu matricular-se no Colégio Marista para repetir o 2º grau, desta vez como técnico em contabilidade. Esta decisão foi uma das causas de sua saída.
“A minha saída da Folha foi em decorrência de trabalhar até altas horas da noite e durante o dia não conseguia dormir, dormia muito pouco. Antes de começar o trabalho, fazia o curso de contabilidade. E depois, terminando o curso, todos iam para casa e eu ia para o trabalho. Trabalhar à noite me esgotou muito.”
O estilo boêmio do pessoal da redação não combinava com Borges. Um ano depois de ter sido admitido, em dezembro de 1963, pediu as contas. Além da falta de adaptação, o metódico Borges tinha uma razão mais forte para sair da Folha. Havia conseguido emprego na Câmara Municipal de Maringá.
O contato com projetos de lei, requerimentos, ofícios, indicações, regimento e Lei Orgânica do Município era o trabalho perfeito para um homem organizado como ele. Tão perfeito que se aposentou como funcionário público, chegando o ocupar o cargo mais importante entre os funcionários do Legislativo: diretor-geral.
É importante esclarecer, no entanto, que Borges tem orgulho de ter pertencido ao grupo de pioneiros da Folha. Seguiu um caminho oposto do jornalismo, mas guarda boas recordações daqueles tempos, das pessoas, dos ambientes.
Ele conta uma história que hoje soa como absurda, mas quem viveu naquela época em Maringá sabe que é perfeitamente plausível. Borges lembra que certa vez, logo que começou a trabalhar na Câmara, esqueceu sua bicicleta destrancada em frente à loja Prosdócimo, na esquina das ruas Santos Dumont e Basílio Sautchuck, no centro da cidade.
Na saída do trabalho, imaginou que a tivesse deixado em casa. Foi para lá e não a encontrou. Somente no dia seguinte, passou a relembrar o itinerário que havia feito e foi à Prosdócimo. A “magrela” estava lá, no mesmo lugar em que havia deixado.
Borges conta esta história para ilustrar a Cidade Canção no início da década de 1960. Hoje, se assusta com todo este progresso, toda esta decantada modernidade, que colocou em crise o respeito humano, que excluiu o latim do currículo escolar e que nos tornou prisioneiros dos nossos medos. O tímido, metódico e culto Borges, aos 65 anos, casado, três filhos, mantém a fineza de sempre.
Borges: longe do jornalismo, mas com boas recordações da época da Folha do Norte
(Foto: Tabajara Marques)
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