quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Livro: “O Jornal do Bispo” - Capítulo 34 - JOAQUIM DUTRA DISSE: “VOCÊ VAI SER FOTÓGRAFO”

“Olha, eu te conheço. Se essa fotografia sair na Folha eu vou te matar também”. A polícia havia prendido um assassino num matagal da cidade e o fotógrafo da Folha do Norte foi à delegacia registrar o fato. A ameaça o fez tremer de medo.

Não teve dúvidas: não revelou o filme. Quando o repórter Antonio Calegari, que cobria a polícia, pediu a foto, ele disse que o filme tinha estragado e por isso não dava para revelar. Ser fotografado pela Folha era sucesso garantido, mas fama era o que menos queria o fotografado em questão. E Moracy Jacques não queria encerrar sua vida logo no início de carreira. A maior parte das fotos publicadas na Folha do Norte de 1966 a 1976 foi tirada por Moracy Jacques.

Nelson Pupin, o Jaca, que tem seu nome associado ao O Diário, e Valdir Carniel, ex-cinegrafista da Globo em Maringá, foram seus alunos e auxiliares na Folha. Fazia pouco tempo que havia saído do seminário quando chegou à cidade, em 1965, e nunca tinha tido contato com uma máquina fotográfica.

Foi trabalhar na Rádio Cultura, levado por dom Jaime, para fazer boletins noticiosos. Reinaldo de Almeida César tinha pedido as contas na Folha do Norte e como Joaquim Dutra era seu patrão na rádio e arrendatário do jornal, deu-lhe a ordem: “- Você vai ser fotógrafo!”

“Eu nunca tinha visto uma máquina fotográfica. Peguei uma Yashica 6x6, que hoje nem existe mais, só em museu. Mas, o seu Joaquim era uma pessoa curiosa e disse: - Vamos ver como faz fotografia. Aí começamos a fazer testes até que conseguimos fazer algumas fotos. Então, era muito preocupante porque a gente fazia as fotos e não sabia se ia sair. A gente pedia socorro também para o Foto Maringá, que explicava como era.”

Seminarista era sinônimo de cultura. E não sem razão. A Folha recrutou alguns, como Moracy, porque não havia mão-de-obra especializada para trabalhar na redação. A ordem de Dutra era para que fotografasse, mas, pelos seus conhecimentos adquiridos no rigor do seminário, Moracy se tornou também revisor e escrevia a coluna Almanaque, com horóscopo, copiado dos jornais de São Paulo ou por ele inventado, letra de música, número da sorte, que ele escolhia aleatoriamente, e poesias. Neste item, Moracy recebia ajuda do diretor de redação e poeta A. A.de Assis. A coluna ficou famosa e durou praticamente todo o tempo em que ele ficou na Folha.

Moracy desfila curiosas histórias daquele tempo, como a de uma mulher que queria lhe dar dinheiro como forma de agradecimento por ter ganho na loteria a partir de um palpite tirado da Almanaque. Ele não aceitou porque nada havia de científico naquilo e sim uma simples e feliz coincidência.

Ele se lembra de um jogo do Grêmio no estádio Willie Davids. No sábado, atravessou a madrugada jogando baralho com os amigos. Só parou às 2 da tarde para ir fotografar o jogo. Bola rolando e o sono chegando até que Moracy não aguentou. Dormiu atrás do gol.

Só acordou, bastante assustado, depois de um estridente apito do árbitro num escanteio. Foi uma grande gozação dos colegas da imprensa que faziam a cobertura da partida. O fotógrafo do O Jornal na época era Luiz Nora Ribeiro, que não pode socorrê-lo.

Moracy afirma que não havia troca de fotografias entre eles, fato comum entre repórteres fotográficos do interior. Neste aspecto, Joaquim Dutra era por demais severo.

O salário na Folha era pouco. O grosso dos rendimentos vinha com os trabalhos extras, como inaugurações, casamentos, festas. Com a saída de Reinaldo, Frank Silva levava Moracy para todos os eventos.

“O jornal não pagava nem as despesas, tanto é que no início eu dormia dentro do jornal mesmo, lá em cima dos jornais velhos. Eu não morava aqui, morava no sítio. Então, terminava a edição eu nem ia para casa, dormia dentro do jornal. Mas eu fazia muito social. Inaugurava uma loja, terminava a inauguração, eu ia ao laboratório, revelava o filme e montava o álbum. No outro dia, cedo, eu já estava entregando o álbum para o cliente.”

As fotos da Catedral, desde o início da construção, são de Moracy, feitas a pedido de dom Jaime. Também as inaugurações das rodovias Maringá-Campo Mourão, Maringá-Paranavaí e Umuarama-Guaíra; o acompanhamento de todo o Caso Lô, o garoto assassinado por policiais civis; dos jogos do Grêmio e dos políticos.

Apesar de todo este material, Moracy não possui um arquivo pessoal. Depois que deixou a Folha, foi cuidar do departamento de fotografia do O Diário. De lá, enveredou para as produções de vídeo, sendo hoje um dos mais conceituados profissionais do ramo no Estado, dono da Jacques Vídeo.

A Folha traz boas lembranças a este paranaense de Cornélio Procópio, contudo, as principais não estão relacionadas com o trabalho de fotógrafo.

“Eu sinto muito saudade daquele pessoal com quem convivia. A gente tinha uma participação maior na sociedade. No ramo que estou hoje, estou totalmente separado da sociedade. Então, eu sinto saudade daquilo e a alegria de ter feito aquela coluna que recebia 50, 60 cartas por dia da região toda pedindo letras de músicas. Eu recebia muita carta, telefonema. Fui um grande freqüentador do Império, o bar em que a gente se reunia com o pessoal do rádio. Tinha uma união muito grande.”



O fotógrafo da Folha Moracy Jacques na coluna de Verdelírio Barbosa
(Reprodução)


Moracy Jacques: “Eu não morava aqui, morava no sítio. Então, terminava a edição eu nem ia para casa, dormia dentro do jornal”
(Foto: Nelson Jaca Pupin)

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