É na noite, no bar pobre, de piso trincado, balcões encardidos e lâmpadas amarelas, que homens decrépitos, agarrados aos copos e às cinturas das moçoilas, se tornam reis. O álcool e sabe-se lá o que mais sobem à cabeça, descarregando emoções e potencializando fortalezas. É a vida que passa pela madrugada. Ou são as necessárias madrugadas atravessando a vida?
Discursos ferozes e sensíveis. É o poder de mando que se perde no vento, mas vai se renovar no gole de amanhã. A salvação do mundo está nas palavras destes notívagos da perene esperança e da sempre adiada realidade, que desfraldam a bandeira da vitória como se a vida fosse tão somente um detalhe e o bar um eterno presente.
Depois da porta dos fundos, surge o paraíso num acanhado corredor com entradas lado a lado. Desvairados noturnos, vampiros em festa sugando fugazes prazeres ao som de canções derramadas de paixão. Lá na frente, de frente para a rua, as vozes gerais, uma babel de sons; os risos abertos e os sentimentos expostos; e os movimentos, sob o ritmo de uma trágica alegria, com hora certa para ter fim, mas com dia marcado para recomeçar. É a catarse programada para o confronto com as tensões, medos e impotências diversas.
Amores achados e perdidos. Sob a luz âmbar, as meninas sem inocência, de todas as idades, estrelas brilhantes, parceiras da noite e de tantos quantos forem buscar conforto, giram seus saltos, e ativam todos os sentidos. Aliviam as dores dos homens ao mesmo tempo em que se esquecem das suas. Encontros nos descaminhos, prazer e sobrevivência, perfumes e suores diversos, mistura de odores e sonhos, palavras soltas e confidências relapsas, beijos cálidos e abraços amigos.
Um mercado de ilusões em que a troca é mais que urgente, é a essência para prosseguir. Enquanto isso, as mariposas dão rasantes suicidas em direção às lâmpadas. Tal qual as meninas. No bar proibido para menores e para maiores virtuosos, a noite é a rainha permissiva.
No primeiro olhar, um ambiente de decadência explícita, a reunião dos que ficaram à margem por razões distintas e não podem ou não querem atravessar para o outro lado. É a soma e a interatividade de todos os vícios. São os escombros morais.
Lados opostos e próximos. O outro olhar é aquele que enxerga além dos móveis e objetos tristes e gastos, dos cômodos pequenos e simples, das garrafas vazias, das canções e das paixões descartáveis. É aquele que tenta clarear as luzes do teatro para desnudar os personagens, tirando-lhes a maquiagem para encontrar o real e compreendê-lo. Esse olhar que busca o entendimento é o que vai fazer poesia.
(Publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, em 18/03/07 )
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