Vou acelerando na Pedro Taques. O carro é um ponto zero, o instinto de preservação é gigante e o respeito pelo próximo é de tamanho similar. Por isso a acelerada é básica. Não represento perigo. Sigo neste modorrento 50 por hora, no calor de 35 graus, com o suor saindo das costas, entrando pelas axilas e descaindo para a barriga. A camisa amarrotada já secou e molhou, secou e molhou de novo.
Já deixei a Farroupilha, atravessei a Colombo e vou contornar a praça da Divino Espírito Santo. É só passar por aqui e lá vou eu me lembrar do Padre Bernardo que fez história nesta igreja. Elevaram o Bernardo a monsenhor, mas o público devoto e amigo continuou a chamá-lo de padre até sua morte. A hierarquia eclesial sucumbiu diante do costume.
Carrinhos iguais aos meus circulam aos montes nas vias da minha cidade, mas a maior parte dos seus donos parece não ter lá muito instinto de preservação e respeito pelo próximo. Então, não posso divagar. Tenho que prestar atenção e ir devagar.
Com medo de ladrões, que já não escolhem hora, local, pessoa e veículo para atacar, meu rádio é fuleira, daqueles com botões giratórios, uma chiadeira só. Com minha vociferante voz, acompanho uma música que é interrompida a cada troca de marcha. E o carrinho segue para o Centro.
Não vou virar à direita. Não aqui na Bento Munhoz da Rocha. Já cansei deste trajeto. Sempre sigo na Bento, corto a São Paulo e entro na João Paulino. Desta vez vou descer mais um pouco a Pedro Taques. Agora viro à direita, na nova via: a imponente Horácio Raccanello Filho.
O sol é forte, o colarinho está molhado, o rádio chia, a avenida tem poucos carros e eu estou, surpreendentemente, animado. Aqui passava o trem. Quantas vezes ele travava a Pedro Taques... Como carrego um enorme baú imaginário, acabei de abri-lo. Sorridente, fico olhando para frente. Quem sabe acaba surgindo uma locomotiva com vagões engatados desde a 19 de dezembro na contramão, na contramão da história...
Avenida Horácio Raccanello Filho. Lá vou eu buscar mais histórias no meu baú. Atravessei a década de 1970 para a de 1980 votando no Horácio. Votando e perdendo. Agora, o advogado, professor e brilhante orador é rua, é história. É história além do meu baú, além dos meus alfarrábios. Observando barracões, vou lento e acelero a mente até à São Paulo.
Mas tenho que prestar atenção no trânsito. O semáforo me traz de volta. Conforme os gomos vermelhos vão descendo, vou me concentrando. Estou novamente inserido. O carrinho vai, o sol é forte, o suor escorre na costeleta, o rádio solta uma canção descompensada, solto meus grunhidos. O baú foi fechado. Logo, vou abri-lo de novo.
(Publicado no O Diário do Norte do Paraná, em 15/10/06)
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