Um garoto me acompanha quase todos os dias. É um fantasminha. Ele saiu ali pelo final da década de 1960, entrando na de 1970 e de uns tempos para cá vem se sentando ao meu lado em frente à televisão, no carro, quando estou ouvindo as pessoas, nas caminhadas e quando fico divagando com as mãos pousadas no teclado do computador.
Este garoto tem camisa branca, calças curtas, sapatos pretos Vulcabrás e meias escuras. Moreno claro, seu corpo é magro e os cabelos curtos. Tem 13 anos, cara de 13 anos, atitudes de 13 anos. Se deixassem, ficaria jogando futebol, descalço, das 7 da manhã até às 10 da noite e recomeçaria com o mesmo vigor no dia seguinte.
Quando rio de alguma coisa, o fantasminha ri junto comigo. Se faço uma brincadeira com alguém, ele aparece com seu olhar não muito angelical me parabenizando, numa gostosa cumplicidade. Quando estou de bem comigo, mais do que o básico, o garoto se aproxima e parece me dizer: "Valeu, cara, vá em frente." Se ocorre o contrário, eu e ele fazemos xingamentos em uníssono, damos porradas imaginárias e depois de algumas horas - às vezes, dias - esquecemos.
Alegria para o fantasminha é quando passo por casas e barracões antigos, quando folheio velhas revistas, quando me detenho em fotos em preto e branco e, principalmente, quando revejo velhos amigos. Dá uma satisfação danada. A gente faz um caminho de volta e o garoto passa dos 13 anos, vai a 17, 18...Tenho que tomar cuidado senão ele passa a mandar em mim. Às vezes acontece, mas logo o coloco em seu devido lugar.
Tenho uma vida para viver, problemas para resolver, enfrentar situações e não posso deixar que um pirralho venha me dar ordens. Por ele, eu não teria nenhum freio, nenhuma preocupação com o presente, e quanto ao futuro, simplesmente ele não existiria. Ele não gosta de estudar, nem de ficar ouvindo alguém falar muito tempo. Lê muito lixo e não suporta que lhe imponham leituras ditas edificantes.
Não gosta de certas comidas, bebidas, músicas e de certas pessoas. Se dependesse dele, eu já teria passado por grandes vexames. Por isso o domino, instalo um sorriso complacente e deixo que a vida siga seu fluxo sabendo que, se estamos nela, temos que passar pelo inevitável. É a tal lei da convivência, a qual o meu amigo não dá a mínima importância. De vez em quando, o fantasminha desaparece.
São longas as ausências, me deixando cansado e triste. A racionalidade passa a comandar e fico me perguntando aonde foi parar aquele menino com sua bola de capotão debaixo do braço, sujo de terra? Com um sorriso absolutamente completo saído das entranhas me chamando para brincar? Coço o queixo, olho para cima, para os lados, assim meio desesperançado, mas eu sei que ele volta. Ele sempre volta.
(Publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná em 19/11/06)
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