“Zé Carlos, não adianta você vir. A coisa aqui tá complicada. Os 300 reais que você ganha aí tá bom demais. Para eu manter o padrão que você leva aí tenho que ganhar pelo menos uns 600. Tô com 480 na carteira e faço umas horas extras. Saio às 5 da manhã para chegar às 7h30 no trampo e chego em casa depois da 9, isto se não passar em nenhum boteco. Todo dia tão mandando gente embora da firma. Aceite o meu conselho, Zé Carlos, fique por aí mesmo. Cidade grande é uma baita ilusão. Tô te falando isto porque eu gosto de você. A gente não deseja nada de mal para um irmão, não é verdade? Você me mandou a carta dizendo que não vai trazer a família no começo. Vem para sentir o ambiente, procurar emprego e quer ficar aqui em casa. Não é por nada, pra você dou até a roupa do corpo, você sabe disso, mas onde eu moro com a Luzia e as duas crianças não cabe mais ninguém. É só um cômodo que a gente dividiu com um guarda-roupa e uma cortina. Como que ia ser? Imaginou você dormindo de cuecas no chão e a Luzia tendo de passar por cima de você para ir na cozinha? A gente é pobre, mas quer privacidade. A Luzia tá dizendo pra você não ficar com raiva. Ela manda um abraço pra Laura e as crianças. Tô com saudades de vocês todos. Tamos tentando guardar uns trocados pra no final do ano a gente ir aí fazer uma visita. Tava me esquecendo: a Luzia tá grávida de novo, de quatro meses. Um abraço do seu irmão que tanto o estima – João”.
“João, pode ficar sossegado que eu não vou mais. Vou ser franco com você. Fiquei magoado com a sua recusa. Não esperava isto de um irmão. Eu pensava em ficar pouco tempo e não acho que iria atrapalhar tanto. Além do mais, eu não durmo de cuecas e você sabe que tenho o maior respeito pelas mulheres, ainda mais a minha cunhada, casada com meu irmão. A Laura ficou mais braba do que eu. Tá difícil controlar ela. Pôs na cabeça que vocês estão bem de situação e só não querem que eu vá para não pedir dinheiro emprestado. João, se você tá pensando isto tá redondamente enganado. Sou pobre, mas tenho orgulho. Posso estar comendo o pão que o diabo amassou, mas não vou pedir dinheiro para um irmão. Não precisava vir com aquela ladainha de dificuldades. Eu sei que aí a boca é quente, mas sou um cara forte que aguenta qualquer tranco. Você falou que tava guardando dinheiro pra vir aqui passear. Acho que não é uma boa idéia. Depois que o pai e a mãe morreram você nunca mais apareceu. Faz mais de cinco anos. Por mim tudo bem, mas a Laura está tiririca com você e mais ainda com a Luzia. Você sabe, elas nunca se deram. De qualquer forma te mando um abraço. Fique com Deus. Um dia vou aí te visitar, mas não vou esperar escurecer. Observação: segue junto a foto do William James da Silva, o caçula que vai completar 8 meses. Peguei escondido da Laura. Um abraço do seu irmão José Carlos”.
(Livro Da minha janela, publicado em 2003)
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