Aqui, perto de onde faço minhas elucubrações e tento pô-las no papel, bem aqui ao lado, na esquina, uma casa de madeira, de uns 60 metros quadrados, de pintura descorada, com uma simpática varandinha, veio abaixo em menos de três dias. Pelo estilo, foi construída antes de 1970.
Feliz de quem vendeu o terreno, pois deve ter feito um bom dinheiro e feliz de quem comprou, pois a área é nobríssima e como é zona mista, tanto comercial quanto residencial, dá para se fazer um belo edifício.
A casa não tinha nada de especial a não ser pelo fato de se manter galhardamente em pé durante tanto tempo em meio a portentosas construções. E apresso em informar que onde moro com minha mulher não tem nada de portentoso, espaçoso ou qualquer outro superlativo. Muito pelo contrário.
Pois bem, aquela casa na esquina, desafiadoramente destoando do ambiente de tijolos e vidros, desapareceu em tão pouco tempo que sua derrubada me deixou, senão perplexo, pelo menos admirado de como se constrói e se destrói numa velocidade surpreendente. Essa demolição, para mim, se tornou emblemática. A cidade modifica sua forma e não percebemos, se renova e não nos damos conta das novidades, substitui-se fachadas e a efemeridade impede o registro.
Minha cidade muda de cara todo dia. Corroídas, as casas de madeira dos primeiros bairros, vão saindo de cena, recolhendo-se à insignificância dos entulhos, e mais uma página desta rica e breve história é folheada e quase ignorada. No lugar de singelas casinhas e vistosos casarões, o ferro e o cimento erigem apartamentos e salas comerciais.
É o processo natural numa cidade que se expande e busca espaço para cima, para baixo e para os lados. Os tempos não são de poesia, as relações das pessoas com sua cidade são estritamente comerciais, utilitárias. Somos prestadores de serviços. A serviço do crescimento.
A cidade muda de cara todo dia e a memória se perde. Tudo é muito dinâmico e veloz. As transformações diárias são impossíveis de registrar porque uma paisagem vai tirando a importância da outra. Inalterável só o arquivo em preto e branco da menina Maringá. Esta história não se apaga. Espero.
Acompanhando o trabalho dos homens retirando as telhas e despregando as tábuas, lembrei do Belchior, que poetou e cantou que “o novo sempre vem”, e analisei a transitoriedade das coisas e da gente, chegando à óbvia constatação de que “o velho sempre vai”. A esquina foi tomada por outdoors. Ninguém sabe que existia uma casa lá.
(Publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, em 03/12/06)
Nenhum comentário:
Postar um comentário