quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Caminhos empresariais da fé

Depois de se ferrar em inúmeros empreendimentos, que tiveram como conseqüência o devido atolamento em bancos e fornecedores, Adrovaldo saiu do fundo do poço. Hoje ele pode ser visto dentro de um vistoso terno azul-marinho, camisa de seda pura, gravata e sapatos italianos. Um anelão de ouro maciço ocupa quase todo o dedo mindinho esquerdo e o legítimo Rolex no pulso esquerdo ratifica a opinião de que realmente ele se deu bem na vida.

Adrovaldo não é nem sombra do que foi. Pilotando um reluzente carrão preto, seus amigos – ou ex – custam a acreditar que um dia ele teve que se esconder dos credores para não apanhar. Nosso personagem pagou todas as contas e reverteu sua situação nos bancos. É tratado a cafezinho e bolachinhas pelos gerentes.

Adrovaldo é cliente vip. Não pega fila nem para saber o saldo. O cinza se transformou em cores vivas. Adrovaldo está vivo. O mundo é dos vivos. Dos vivos e espertos. Numa época que a grana está mais curta do que coice de porco – perdão pela surrada comparação -, como é que este cidadão que não passou da 8ª série está agora em cima da carne seca?

Herança? Loteria? Tráfico? Se você disse uma das três errou. A família de Adrovaldo não tem um gato para puxar pelo rabo – perdão novamente pela utilização de tão manjada expressão -, não joga na loteria há mais de dez anos e nunca trouxe sequer um pacote de cigarros do Paraguai.

Adrovaldo era enrolado, mas era honesto e, dependendo do ponto de vista, podemos dizer que ainda é. A única vez em que esteve na delegacia foi aos 18 anos para tirar identidade. Simplesmente, nosso herói teve a grande idéia de abrir uma igreja. Ele diz que a idéia não foi sua e sim através de uma inspiração divina. O sermão do pastor Adrovaldo começa invariavelmente assim:

”Estava eu, certa manhã, deitado em minha cama, com a tristeza invadindo todos os meus poros, quando uma forte luz irrompeu atravessando a janela vindo de encontro ao meu rosto.” Cabe aqui uma observação: Adrovaldo é fã de carteirinha de Saulo, o perseguidor de cristãos que virou apóstolo Paulo. O facho de luz que derrubou Saulo do cavalo pode ter servido como mote para que ele contasse sua história ou, de repente, é tudo uma grande coincidência.

Mas, prosseguindo naquela histórica manhã, Adrovaldo conta que seu corpo ficou suspenso por quase meio minuto numa altura superior a um metro, como se tenazes o sustentassem pelas pernas e costas. Ele tremeu de medo quando a lei da gravidade voltou a vigorar. Seu corpo doía e lágrimas caiam pela face. Foi quando ouviu a Voz: “Adrovaldo, ide e pregai.” Tudo não durou mais de dois minutos.

Como se tivesse saído de um sonho, Adrovaldo sentou-se à beira da cama e começou a pensar se aquilo tinha realmente acontecido com ele ou se eram apenas os resquícios da noite anterior, regada a dúzias de cerveja. Lembrou da frase: “Ide e pregai.” Çomo devia para Deus e todo mundo pensou que poderia ser “ide e pagai”. Mas pagar com o quê? Aí se lembrou da luz atravessando a janela do seu minúsculo e pobre quarto de pensão.

Conforme a lucidez chegava, toda aquele maravilhoso acontecimento se tornou mais nítido. Aquele dia foi o divisor de águas na sua vida. O pastor Adrovaldo vai muito bem, obrigado, e o número de fiéis aumenta a cada ano. Com um programa de rádio de título imenso – A voz que vem do céu para falar ao povo que todos os caminhos levam ao Pai -, sua meta agora é aparecer na telinha e construir uma super-piscina para batizar pelo menos mil pessoas numa tacada só. No terceiro milênio, a disputa pelos fiéis é acirrada e é preciso se estruturar. O céu é o limite para o pastor Adrovaldo, o homem que encontrou o caminho da paz, felicidade e prosperidade.

(Livro Da minha janela, publicado em 2003)

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