sábado, 10 de novembro de 2007

Histórias vermelhas e azuis

Era obrigatório cantar o Hino Nacional antes das aulas. Não chamávamos professor de “você”, e quando a diretora entrava na sala, ficávamos de pé. Também fazíamos bagunça, talvez até mais do que a garotada de hoje, mas respeitávamos a autoridade instituída. Éramos exemplarmente punidos pelos nossos erros. Soldadinhos em ordem unida obedecendo a um comando devidamente avalizado pelos nossos pais.

O professor ditava o ritmo da nossa vida escolar. O pedido era uma ordem, sem diálogo. A tarefa era dada e tínhamos que cumpri-la, fizesse chuva, fizesse sol. O controle era o boletim, que bimestralmente teria que ser assinado pelo pai ou responsável. As notas baixas eram um martírio. Tudo bem que os castigos não fossem medievais, mas diga para uma criança que ela não pode sair de casa enquanto os amigos estão num campo de futebol.

Quer um suplício ainda maior? Imagina seu boletim recheado de notas vermelhas e sua mãe brandindo irada aquela folha retangular, dizendo: “Você vai ver a hora que o seu pai chegar!” O coro comia na minha casa como na casa de tantos garotos com boletins de coloração avermelhada.

Cabe aqui relembrar um fato marcante na minha manca vida estudantil. No auge da esperteza dos meus 12, 13 anos, adotei uma interessante e desabonadora estratégia, que pode ser perfeitamente compreendida, afinal estávamos numa guerra. Meu querido avô Jacinto, que

Deus tem em sua companhia há mais de três décadas, era quase cego. Então, eu chegava com meu vergonhoso boletim para o Vô Jacinto e dizia que queria ver como estava a letra dele. Ele assinava no lugar do meu pai e eu conseguia uma sobrevida por mais dois meses. Hoje, penso que o meu avô era muito mais esperto do que eu. Para me ajudar, ele fazia de conta que estava sendo ludibriado.

Já a reprovação era o ápice do sofrimento. Parece exagero dizer isso, mas era algo próximo de uma tragédia familiar. A derrota do filho na escola representava a perda na guerra. O soldadinho era um preguiçoso que não sabia lutar. Os parentes e a vizinhança comentavam sobre a triste sina dos pais com aquele filho reprovado.

Já a aprovação era comemorada. Não aquela aos trancos e barrancos com segunda época, recuperação e tudo mais. Falo da aprovação direta, com notas azuis de cabo a rabo, médias altas em todas as disciplinas. O caxias ou CDF, sigla a qual me reservo o direito de não explicar porque todo mundo sabe o significado, se tornava o herói da família, o orgulho dos pais, o tal “menino com futuro certo”. Se é válido esse modelo de educação, não vou poder dizer porque a minha avaliação está comprometida, impregnada de muitas recordações. Só digo que ficaram eternas lições.

(Publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, em 23/03/07)

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