Olho para a cara do Seu João e através dela vejo uma Maringá de 40 anos atrás. Em 1966, já achava Seu João um velho. Hoje, constato que ele não era tão velho assim. Eu que era muito novo e qualquer cidadão que usasse calças compridas, camisas de colarinho e botasse um cigarro na boca eu chamava de senhor. Ensinamentos de um pai que não escolhia hora e local para chamar a atenção do filho que esquecesse de colocar “senhor” e “senhora” nos pré-nomes.
Agora sim a fisionomia do Seu João está bastante envelhecida. É só um halo daquele homem alegre e vibrante, emanando confiança. Seu olhar traz o cansaço de quem entrou no milênio com todas as dificuldades do mundo e só continua vivo porque buscou e encontrou no seu recôndito restos de alegria, vibração e confiança.
Procuro no seu rosto e, a partir de um sorriso que tanto pode ser de satisfação ou aceitação, encontro uma cidade cujos elementos só existem nas fotografias em preto e branco: fuscas, lambretas e casas de madeira. Seu João me faz recordar, me remete para um tempo de cercas de balaústres e compridos quintais com mangueiras, pessegueiros e abacateiros.
Na noite, o encontro dos vizinhos nos portões, sem pressa e sem medo; o cochilo na varanda, com a rede embalando sonhos, sem pressa e sem medo. Poucos motores, aparelhos e néons. Só as lâmpadas amarelas, sentinelas das ruas. E a lua clara colaborando na vigília.
O velho João observa as mudanças, oscilando entre a serenidade de quem concorda ser necessário crescer e a perplexidade de quem não estava preparado para abruptas transformações. A cidade e o mundo mudaram, mas, por toda boa vontade que o Seu João tivesse, ficou impossível acompanhar. Para não sofrer e cansar, ele observa. No vai-e-vem da cadeira, no leve balanço entre o passado e presente, João brinca com o tempo, fica moço e volta a ser velho, e vai e vem...
Silencioso, pois já disse tudo o que tinha para dizer e mais não falou porque não quiseram ouvir, Seu João sobrevive. Planos e sonhos perderam a força, ficaram sem cor, saíram da possibilidade do real para entrar nas reminiscências.
Seu João observa. A alegria, vibração e confiança desgastaram-se, estão espalhadas no caminho. Os motores o deixaram quase surdo e os néons enfraqueceram a visão. O tempo brinca com o sereno e perplexo João; o moço João que balança no tempo, sonha com cercas de balaústres, pomares e lâmpadas amarelas. E com vizinhos felizes, que não tinham pressa nem medo.
(Publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, em 07/01/07)
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