A pilha alta de contas a pagar e a moça sorridente no outdoor lhe pedindo para investir naquele banco poderoso. Diante daquele sorriso ao vivo certamente você limparia os bolsos, poria o resto de moedas no balcão só para ouvi-la dizer: “Agora o senhor é nosso cliente preferencial”. Só do banco, bem entendido. Estacionamento gratuito, ar-condicionado, poltronas macias, café com açúcar ou adoçante, bolachinhas, garotas sorridentes e prestativas, sem filas, crédito quase sem limite, sem limite para sonhar... “Acorda, cara, abriu o sinal”.
O livro de 50 reais na vitrine, recém-lançado, e você lamentando pelas muitas outras prioridades. Você se revolta: como é que pode um lançamento custar 50 reais? “Fazemos três vezes no cartão”, diz a solícita vendedora, que não tem culpa da exorbitância cobrada. Elitizaram os livros. Criaram uma fina casta neste País. Aquela formada pelos felizardos que têm condições de pagar 50 reais num livro.
Você pensa nisso enquanto olha para a capa, para a contracapa, vê o prefácio e devolve o livro às mãos da mocinha educada. O que lhe conforta é que logo, logo o tal lançamento aparece por uns quinzão no sebo. “Agüenta aí. Qualquer dia eu te encontro em outra prateleira”, você diz baixinho, entre satisfeito e resignado, enquanto sai da livraria.
As liquidações convidativas e você fazendo continhas de cabeça para chegar invariavelmente ao resultado negativo. Duvido que exista um cidadão que não tenha vontade de entrar numa dessas queimas de estoque e fazer uma feira formidável, bem irresponsável, comprando sem pensar.
O complicado é que dias depois, em vez de uma moça sorridente, vem uma voz firme e impessoal pelo telefone. Uma voz daquelas que lhe chama de senhor e diz o seu nome completo. Quando você gagueja “sim-sim, so-sou eu” vem a informação do estouro no limite. Aí bate o arrependimento. “Paga o cheque, paga o cheque, que ainda hoje, no máximo amanhã, eu vou cobrir”, você diz em alto e bom som, entre suplicante e apavorado.
Os pacotes atraentes de viagens e você só vendo o entra-e-sai dos ônibus e o sobe-e-desce dos aviões. Dá um impulso de embarcar, deixar as contas de lado, substituí-las por belas paisagens. Pôr chinelos, bermuda, camiseta, óculos escuros e ver o mundo diferente.
Diferente, como se a perseguidora palavra “responsabilidade” se dissolvesse no terceiro copo de cerveja. Um mundo azul. Azul do céu e do mar. Toca a buzina atrás do seu carro. De novo, você estava sonhando acordado, olhando para o azulão do céu riscado por um avião que alçou vôo e lhe deixou de fora. “Acorda, cara, abriu o sinal”. Você diz um palavrão, sem raiva, simples, destes que até as crianças costumam dizer, e segue, segue fazendo contas.
(Publicado no jornal O Diário do Norte do Paraná, em 14/01/07)
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