- Ufa! Fazia um tempão que você não me beijava assim. Meus lábios estão até anestesiados.
- Tá brincando. Eu sempre te beijo assim.
- Beija nada. É só bitoca. Acho que a última vez que você me deu um beijo destes foi quando o Jairo ganhou.
- Exagerada.
- Exagerada nada. Depois daquela carreata nunca mais você me beijou com tanto ardor. Lembra que a gente tava na caminhonete...
- É. Tinha uns trinta na carroceria.
- Do Aeroporto até o Maringá Velho. Quantos carros, não?
- Gente pra caramba. Tinha até gente do Silvinho e do Joel comemorando com a turma do Jairo.
- A gente dava tapas na lataria, lembra?
- Se lembro. Logo que começou a apuração comecei a beber. Nem dormi, fui direto pra festa.
- Foi na caminhonete que você tascou o beijo.
- Devia tá bêbado ficar te beijando na frente de todo mundo.
- Até jogou meu corpo pra trás.
- Foi. Aí a caminhonete deu uma freada e quase fomos pro chão.
- Nossa, já faz mais de um ano e meio. Como o tempo passa...
- O Jairo matou a pau aquela eleição. No começo ninguém botava fé.
- Eu acreditava.
- Acreditava nada. Nem votar nele você ia.
- Que maldade! Sou Jairo desde criancinha.
- Meu Deus, como você é volúvel. Você só embarcou na do Jairo porque eu falei um monte, fiz a tua cabeça.
- Ninguém faz a minha cabeça. Votei nele porque achei que era o melhor.
- Aquela da bandeira branca foi uma grande sacada.
- É, a bandeira branca. A partir daí eu resolvi votar nele.
- Então você concorda que você pegou o bonde andando?
- Quando ele falou da bandeira branca?
- No final da campanha. Lembra que o Joel dava pau no Silvinho, vinha o Ricardo e retrucava, criticava o Said. Ficou uma disputa do Ricardo contra o Said e o Silvinho e o Joel pagaram o pato.
- Aí o Jairo aparece absoluto na televisão pregando a união por Maringá. Com aquela cara séria, bigode branco, ele desfralda a bandeira da paz.
- Ele mostrou o caminho para os indecisos.
- Lembra a roupa que a gente tava usando na carreata?- Camiseta, não era?
- Era. Camiseta branca com aquele tucanão no peito. Eu e você.
- Agora tô lembrado. A tua camiseta tava bem apertadinha. Parecia que o tucano ia pular fora dos teus peitos.
- Mentiroso. A camiseta não tava tão apertada e eu não sou tão peituda.
- Vem cá.- Que é que você tem hoje? Tô até estranhando.
- A gente nem pode ser carinhoso mais. Quero te falar uma coisa.
- Fala.
- Acho que vou fazer campanha pro Requião.
- Não acredito. Você era Lerner até a semana passada.
- Tive analisando a situação.
- Tá certo que ideologicamente você é um zero à esquerda, mas tem que ter um pouco de bom senso. Demorei para engolir o Lerner e agora você quer mudar?
- Lembra que eu ia votar no Alvaro. Tava na porta do colégio e você me pentelhando: “Vota no Lerner, vota no Lerner, vota no Lerner”. Fui lá e trai o Alvaro. Agora você vem de Requião? E se o Álvaro for candidato?
- Aí a gente analisa de novo.
- Você é que é volúvel. Agora tô entendendo este beijão que você me deu. Tava preparando caminho para falar que vai votar no Requião.
- Vem cá. Bandeira branca, amor.
- Não vou. Tô de saco cheio de bandeira branca. (1997)
(Livro Da minha janela, publicado em 2003)
2 comentários:
Beijo versus política? uma mistura explosiva...
melhor seriam beijos persuasivos...
mas acho que o beijo fez perte da persuasão do cara..
Postar um comentário